O dia 1º de junho é o Dia Mundial do Leite. No Brasil, a data, em 2019 marca também o início da validade das novas diretrizes para os processos de produção e comercialização deste produto, definidas por Instruções Normativas (IN) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) nº 76, nº 77 e nº 78, publicadas no Diário Oficial da União em novembro do ano passado, que entrou em vigor em 30 de maio.
“A cadeia produtiva do leite vem passando por transformações importantes e o estabelecimento de padrões é fundamental. As normas a serem implantadas têm aspectos positivos, mas poderiam manter o foco principal das anteriores, que era o padrão higiênico e sanitário do leite mais rigoroso, fato não exatamente verificado nestas substitutas”, avalia o médico-veterinário Ricardo Moreira Calil, presidente da Comissão Técnica de Alimentos do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP).
A IN nº 76 refere-se aos regulamentos técnicos que determinam a identidade e as características de qualidade que devem apresentar o leite cru refrigerado, o leite pasteurizado e o leite pasteurizado tipo A. Já a IN nº 77 está relacionada aos critérios e procedimentos para produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção oficial. A IN nº 78, por sua vez, estabelece requisitos e procedimentos para o registro de provas zootécnicas, tendo em vista o controle leiteiro e a avaliação genética de animais com aptidão leiteira.
O médico-veterinário Ricardo Jordão, membro da Comissão de Saúde Animal do CRMV-SP, ressalta que a existência de normas também é importante para enfrentar um dos principais desafios dentro da Medicina Veterinária, em relação aos animais de produção: produzir proteína em quantidade e qualidade. “Não adianta ter um animal que produz litros e litros de leite, só que esse leite é contaminado. Então as normativas estabelecem o mínimo para fornecer um produto seguro para a população”, afirma.
O Dia Mundial do Leite foi instituído em 2001, pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), que escolheu o dia 1º de junho para celebrar as importantes contribuições do setor lácteo para a sustentabilidade, o desenvolvimento econômico, a subsistência e a nutrição. Em 2018, a data foi marcada pela realização de 586 eventos, em 72 países, incluindo o Brasil.
As novas regras para produção de leite
As novas regras para produção e padrão de qualidade do leite cru refrigerado, do pasteurizado e do tipo A, determinadas pelas instruções normativas (INs) 76 e 77, entraram em vigor em 30 de maio de 2019. A IN 76 trata das características e da qualidade do produto na indústria. Na IN 77, foram estabelecidos critérios para obtenção de leite de qualidade e seguro ao consumidor.
As regras abrangem desde a organização da propriedade rural, suas instalações e equipamentos, até a formação e capacitação dos responsáveis pelas tarefas cotidianas, o controle sistemático de mastites, da brucelose e da tuberculose.
As normas mantêm o padrão de contagem bacteriana para o leite cru refrigerado na propriedade rural de 300 mil unidades por ml, vigente desde julho de 2014. “Diante dos dados de qualidade obtidos pela Rede Brasileira de Laboratórios de Controle de Qualidade de Leite (RBQL), a situação atual ainda não permite uma redução de padrão, sendo necessária a adoção de outras ações para avançar nos índices de qualidade”, explicou Ana Lúcia Viana, diretora de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária.
Para as indústrias, o padrão de contagem bacteriana foi estabelecido em 900 mil unidades por ml, para que o leite, após o transporte, mantenha a qualidade obtida na origem. “Para atender este padrão, é necessário que os estabelecimentos revisem a sua logística de coleta, as condições dos tanques dos caminhões transportadores, e os procedimentos de higiene deles. São procedimentos que visam amenizar a multiplicação bacteriana e fornecer produtos de maior qualidade ao consumidor”, disse Ana Lúcia.
Comissão técnica – Para acompanhar a evolução da aplicação das novas normas, O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) decidiu criar a Comissão Técnica Consultiva do Leite (CTC/Leite), que terá a participação dos integrantes da Câmara Setorial do Leite e Derivados e das secretarias do ministério. A comissão técnica vai analisar e propor medidas melhorar a qualidade do leite produzido e consumido pelos brasileiros. Vai também assegurar a clareza no cumprimento e na fiscalização das instruções normativas.
O objetivo do Mapa é promover a competitividade do setor lácteo brasileiro em comparação com os mercados internacionais, e assim garantir renda e sustentabilidade para o setor em todo o país. A Comissão Técnica vai fazer análises e propor medidas para a melhoria gradual da qualidade, aumentando o rendimento industrial e a tão sonhada competitividade. A gestão compartilhada das políticas públicas será o novo método para se elevar o padrão de qualidade, com maior compromisso do setor privado e mais convergência da cadeia produtiva com o setor público no processo de fiscalização, fomento e certificação.
O leite é o produto agropecuário produzido no maior número de municípios do país. A estimativa é que sejam mais de 1 milhão de produtores. Esse cenário cria diferenças regionais que precisam ser observadas para a aplicação de uma política pública efetiva. A estratégica, já anunciada pela ministra Tereza Cristina, é perseguir os parâmetros de excelência e qualidade dos produtos em nível mundial, mas levando em conta as realidades regionais. É preciso sistematizar os dados de maneira estratégica, para promover as ações de fomento e fiscalização de maneira proporcional e gradual, prevendo atingir os objetivos a longo prazo.
Orientação para o produtor – A Coordenação de Boas Práticas e Bem-Estar Animal, responsável por coordenar o acompanhamento da execução das ações dos planos de qualificação em todo país, publicará o Guia Orientativo para Elaboração do Plano de Qualificação de Fornecedores de Leite, em atendimento ao artigo 9º da Instrução Normativa 77/2018.
Com relação à temperatura de refrigeração do leite no estabelecimento, o Decreto 30.691/1952 estabelecia o limite de 5ºC para conservação do leite, mas este foi alterado para 4ºC no Decreto 9.013, publicado em março de 2017. É possível que haja variação na temperatura de estocagem de leite, desde que sejam alcançados bons índices de qualidade bacteriana na origem e no transporte.
“O Ministério da Agricultura preocupou-se em definir padrões que fossem possíveis de serem atendidos por todos os produtores e indústrias, independente do volume de produção ou do nível de tecnologia aplicados a campo”, esclareceu a diretora de Inspeção de Produtos de Origem Animal.
A ação efetiva de todos os elos da cadeia produtiva permitirá avanços na qualidade do leite no país e também na abertura de novos mercados internacionais.
Plano de Qualificação de Fornecedores de Leite – Uma novidade na IN 77 é a obrigatoriedade do Plano de Qualificação de Fornecedores de Leite (PQFL). A ferramenta funcionará como controle, e lá estará definida a política dos laticínios em relação aos seus produtores. O objetivo principal é aproximar produtores e indústria, visando maior segurança para o consumidor e desenvolvimento para o setor produtivo.
“A obrigatoriedade de possuir um plano de qualificação ampliará a assistência técnica aos produtores rurais, por parte dos laticínios, o que resultará em melhoria da produtividade, qualidade e consequentemente da competitividade na cadeia leiteira nacional”, ressaltou o coordenador de Boas Práticas e Bem-Estar Animal da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação, Rodrigo Dantas.
Produção e consumo de leite no Brasil
Segundo o Anuário Leite 2018, publicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a produção mundial de leite atingiu 798 bilhões de litros em 2017. Trata-se do alimento mais consumido do mundo. O Brasil foi responsável por 35,1 bilhões de litros nesta estatística. Fazendo uma análise das últimas quatro décadas, a produção nacional quadruplicou.
Uma publicação da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN) destaca que o leite e seus derivados constituem um grupo de alimentos de grande valor nutricional, como fontes de proteínas de alto valor biológico, vitaminas e minerais – principalmente de cálcio. Porém, o estudo informa que, embora o brasileiro esteja consumindo mais leite e derivados, este valor ainda está abaixo do recomendado (três porções de lácteos por dia).
Neste cenário, Ricardo Calil chama a atenção para outra realidade: a parcela expressiva da população que ainda consome leite cru e não sabe que isso traz riscos para a saúde, visto que o leite sem pasteurização não é considerado um produto seguro do ponto de vista higiênico-sanitário. “Os consumidores precisam saber o quanto é perigoso leite procedente de vacas doentes ou mesmo ordenhadas em locais sujos, sem nenhum controle técnico. Quando o consumidor compra leite sem inspeção, contribui para desestimular o produtor que atende as normas e a legislação”, alerta.
Para manutenção da saúde pública e, por consequência, da saúde ambiental, os representantes do CRMV-SP ressaltam o papel do médico-veterinário neste contexto. Este profissional que zelará pelos cuidados higiênicos e sanitários nos criatórios e, também, na indústria e no comércio destes alimentos. “O médico-veterinário vai ser ainda mais importante em toda a cadeia produtiva, participando de todas as etapas, sendo cada um na sua especialização”, salienta Ricardo Jordão.
“A atividade do médico-veterinário resulta em um melhor controle da qualidade e segurança do leite e seus produtos, desde a avaliação dos cuidados com a saúde animal, como também na inspeção dos indicadores laboratoriais químicos e microbiológicos que servem para assegurar que o produto não cause risco aos consumidores”, complementa Calil.