Thiago Parente*
Apontada muitas vezes como uma das vilãs do aquecimento global, a pecuária tem buscado ser sustentável ambientalmente e contribuir para redução de emissões de gases do efeito estufa (GEEs). A tecnologia tem um papel importante em tornar mais eficiente a gestão dos rebanhos e dos recursos naturais, além de ajudar a identificar quem adota melhores práticas. E o Brasil tem feito avanços nesta direção.
Uma das principais críticas voltadas à pecuária bovina do Brasil é a possível ligação com o desmatamento e as consequentes emissões de gás carbônico (CO2) na atmosfera. Obviamente, combater o desmatamento ilegal é essencial. Além disso, o manejo eficiente dos rebanhos tem efeito positivo tanto na redução de pressão sobre as florestas, com melhor uso das áreas de pastagens já existentes, quanto na captura do carbono da atmosfera e sua fixação no solo.
Estudo da rede de pesquisadores Pecus , no qual a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem participação, mostrou que, em ambiente tropical, os sistemas pecuários bem manejados podem ter saldo positivo de carbono, ou seja, absorvem maior quantidade de CO2 do que é capaz de gerar e, assim, obter créditos de carbono.
Em pastos manejados corretamente, é possível sequestrar mais de três toneladas de gás carbônico por hectare ao ano e ainda aumentar a matéria orgânica no solo, melhorando sua fertilidade e a qualidade da forrageira, as plantas que serão usadas na alimentação animal, segundo os pesquisadores. Por outro lado, nas pastagens degradadas o solo perde matéria orgânica e libera maior quantidade de CO2.
Só em perdas do solo, as emissões médias de gás carbônico de pastagens degradadas chegam a quatro toneladas por hectare ao ano. Além da recuperação das pastagens degradadas, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que tem crescido no Brasil nos últimos anos, é outra estratégia que, aliada à boa gestão, reduz as emissões dos gases causadores de efeito estufa e contribuem para o aumento da produtividade das fazendas e para preservação ambiental.
Outro estudo, desenvolvido por universidades do Brasil e Reino Unido e publicado na revista científica Nature Climate Change, afirma que é possível aumentar a produtividade de carne bovina no Brasil e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de poluentes e evitar o desmatamento.
Os pesquisadores desenvolveram um modelo, voltado ao cerrado brasileiro, que é baseado em processos de recuperação de pastagens, controle de emissões de metano dos animais com alimentação adequada, diminuição do desmatamento e ajuste da dinâmica do carbono orgânico do solo.
Pecuária 4.0
Para alcançar a sustentabilidade, aumentar a produtividade e, consequentemente, elevar a lucratividade das fazendas é necessário investir no manejo e gestão dos rebanhos. A chegada da tecnologia aos currais representa uma nova era para o setor, que já vem sendo chamada de Pecuária 4.0, termo cunhado do conceito de Indústria 4.0.
O conceito foi criado por engenheiros alemães em 2012 para definir o projeto de fábricas inteligentes, com o uso de Internet das Coisas, computação em nuvem e outras tecnologias da informação.
Entre 30 tipos de produtores rurais do país, de acordo com pesquisa realizada pela empresa de pesquisa Inteligência no Agro (INA), os pecuaristas apareceram como os mais interessados em investir em novas tecnologias para ampliar a produtividade e mais de 50% dos criadores elencaram a busca do aumento de arrobas por hectare como prioridade.
Softwares específicos para gestão pecuária ajudam os produtores no manejo de pastagens, controle de insumos, vacinação, medicamentos, nutrição e evolução do rebanho. Se integrados com equipamentos, como brincos eletrônicos, fazem o acompanhamento e rastreamento automatizado de cada animal, desde o nascimento até o abate, sem a necessidade de digitação de dados.
O rastreamento dos animais é uma demanda crescente dos mercados consumidores internacionais mais exigentes para certificar a origem do gado, garantindo que não passou por fazendas em áreas de desmatamento ilegal, sobretudo na Amazônia.
Um gigante do setor de frigoríficos, a Marfrig, já atingida por esse tipo de acusação, anunciou a criação de uma marca de carne com certificação de carbono neutro. O selo assegura que a carne vem de fazendas com um sistema de produção pecuária-floresta, que neutraliza as emissões de gás carbônico e metano pelos bois dentro de um protocolo desenvolvido pela Embrapa.
As tecnologias de rastreamento dos animais e de monitoramento também ajudam os produtores a atender aos requisitos sanitários de importadores de carne.
De acordo com levantamento da Confederação Nacional de Indústrias (CNI), ao menos 40 barreiras comerciais são impostas a diversos produtos exportados do agronegócio brasileiro. O setor de carnes é um dos mais atingidos e as questões sanitárias são apontadas como as principais barreiras.
Apesar dessas barreiras, com investimentos na modernização da gestão, melhoria genética e intensificação da produção, o Brasil tem conseguido manter um crescimento das exportações. No ano passado, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o volume exportado alcançou o recorde de 2,02 milhões de toneladas, um crescimento de 8,8% em relação a 2019. Para este ano, as perspectivas são de crescimento de 6% nas exportações de carne em relação a 2020 .
Como líder global nas exportações de carne e com as crescentes cobranças pela sustentabilidade ambiental dos maiores consumidores do mundo, o Brasil precisa continuar a investir em tecnologia para ampliar a sustentabilidade e produtividade e, dessa forma, manter a posição no mercado internacional.
*Thiago Parente é fundador e CEO da iRancho