Evandro Grili*
Ao ler o texto da MP 884, de 14/6/2019, nossa reação, no primeiro instante, foi de esfregar os olhos. Era aquilo mesmo que estava no papel?
Mas, quando ampliamos o texto na tela do celular, não tivemos dúvida. O parágrafo terceiro do artigo 29, do Novo Código Florestal, passa a vigorar com a seguinte redação: ¨A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais.¨
Ora, esse já era o regime jurídico que estava vigorando desde a última vez em que a lei foi alterada, ainda na vigência da MP 867, que acabou de ter sua votação recusada pelo Senado Federal.
Em outras palavras: uma medida provisória que não muda em absolutamente nada o Código Florestal.
Desde o final do ano passado que as sucessivas prorrogações de prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural, feitas por governos anteriores, haviam expirado. A última MP editada ainda no Governo Temer, não prorrogou o prazo do CAR. Prorrogou apenas o prazo para adesão ao PRA – Programa de Regularização Ambiental.
Assim, nos termos da lei, aqueles proprietários rurais que ainda não apresentaram seus CARs estavam infringindo a lei florestal e sujeitos, ao menos, ao disposto no art. 78-A, que veda o acesso ao crédito rural junto às instituições financeiras.
Ou seja, numa conclusão muito rápida, a MP 884/2019 não muda nada em termos jurídicos na Lei no 12651/2012 que veicula o Novo Código Florestal.
E só por esse motivo a MP já seria inepta no nascimento, eis que a autorização para edição de Medidas Provisórias dada pela Constituição é para legislar sobre matérias urgentes e relevantes. Ou seja, a MP 884/2019 é um nada jurídico, pois o seu texto nada mais fez do que manter algo que já vigorava desde o ano passo.
Em termos jurídicos, quando nos deparamos com coisas deste tipo a primeira coisa que vem à mente é a inabilidade do legislador e o completo desconhecimento daquilo que em Direito chamamos de interpretação sistemática. Afinal, não se pode interpretar o art. 29 e seus parágrafos de forma isolada. É preciso fazer a leitura do art. 78-A, do mesmo Código, que diz o seguinte: ¨Após 31 de dezembro de 2017, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR.¨
Ou seja, o prazo para o CAR volta a ter o limite fixado no art. 78-A. Os defensores do texto poderão dizer que esse dispositivo só se aplica a quem busca financiamento para a produção. Mas aí estamos falando da quase totalidade da produção brasileira. Isso, sem contar, que o próprio setor do agronegócio e órgãos do governo tem anunciado que só uma pequena parte, cerca de 5%, das propriedades brasileiras ainda não teria se cadastrado.
Ora, então qual seria a razão para a edição de Medida Provisória desse tipo? Realmente, é bastante estranho.
Os movimentos políticos já no dia seguinte da emissão da MP dão sinais de que ela vai ser questionada no Supremo Tribunal Federal.
Aí podemos tirar uma outra leitura, mais política do que jurídica: após o Senado deixar ¨caducar¨ dias atrás a MP 867, aprovada na Câmara, com alterações no art. 68 do Código Florestal, ao que parece essa nova MP seria uma espécie de artifício para que os deputados e senadores, durante a sua tramitação, pudessem apresentar emendas e ressuscitar a discussão acerca da flexibilização das regras do Código Florestal.
Um caminho que vai levar a mais judicialização. Uma pena, pois acabamos de ver o STF, em 2018, encerrar uma discussão que se arrastava desde 2012, quando o Novo Código foi publicado. A Suprema Corte, por seu Plenário, decretou a constitucionalidade da nova legislação florestal brasileira.
E, mais uma vez, ao invés de abraçarmos a nova lei e fazê-la sair do papel, estamos alterando-se, mexendo em seu texto e já prevendo novas judicializações sobre o tema.
Vamos ficar atentos aos próximos passos e torcer para que possamos avançar nessa questão. Será bom para o meio ambiente, será bom para o setor produtivo, será bom para o Brasil.
* Evandro A. S. Grili é advogado, sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia e Diretor da Área de Direito Ambiental do Escritório.