Desenvolver cacaueiros mais resistentes às doenças e mais produtivos, sem deixar de lado a qualidade do fruto, é uma das missões cumpridas há mais de cinco décadas pela equipe do Centro de Pesquisa do Cacau (Cepec), um dos pilares da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Depois de se destacar na produção de variedades de clones tolerantes à vassoura-de bruxa, doença causada por um fungo que apodrece o fruto do cacau e que devastou a região cacaueira da Bahia no final da década de 80, o centro de pesquisa intensificou o trabalho de melhoramento genético preventivo para combater uma nova enfermidade: a monilíase, que há sete anos é uma ameaça e tem exigido do Cepec esforços na identificação de genes que sejam resistentes ao fungo Moniliophthora roreri, causador da doença.
A doença está presente em vários países da América Central e do Sul, incluindo os que fazem fronteira com a Região Norte do Brasil, mas o temor dos produtores brasileiros aumentou quando a doença foi identificada em 2012 na Bolívia, que faz fronteira com Acre, Mato Grosso e Rondônia, que atualmente é o terceiro maior produtor de cacau no Brasil. Como a doença não existe no Brasil, os pesquisadores brasileiros têm estreitado o contato com estudiosos de países vizinhos para garantir o andamento da pesquisa e fazer os experimentos locais.
A equipe da Ceplac trouxe clones tolerantes à monilíase que já apresentaram bons resultados em outros países e começou a introduzir as fontes de resistência à praga para formar populações-base de flores de cacau. Cerca de 200 clones resistentes à monilíase estão sendo testados em sete fazendas brasileiras (seis na Bahia e uma no Espírito Santo). Também há mudas plantadas na área de campo da Ceplac, em Ilhéus. Os pesquisadores ainda pretendem identificar se os melhores clones brasileiros, já resistentes à vassoura-de-bruxa, também são tolerantes à monilíase.
A Ceplac enviou este ano outro estudante do Equador para o Peru para estudar como é a infecção e transmissão do fungo. E para selecionar os melhores clones também tem feito parceria com instituições da Costa Rica, da Austrália e da Europa, como o Cirad, organismo francês de pesquisa agronômica e cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável das regiões tropicais e mediterrâneas.
A monilíase
A teoria mais recente é de que monilíase é originária da Colômbia e demorou cerca de 100 anos para dar o primeiro salto para outro país, o Equador. Mas esse tempo de deslocamento de um país para outro está reduzindo a cada ano.
A monilíase ataca os frutos do cacaueiro em qualquer fase do desenvolvimento. A doença produz um pó branco com bilhões de esporos no entorno do fruto. Estes esporos podem ser levados de uma planta para outra por meio do vento, da chuva, insetos, animais silvestres e também pelo homem.
A preocupação aumentou depois que análises preliminares dos geneticistas constataram que os clones de cacaueiro mais plantados na Bahia são tolerantes à vassoura-de-bruxa, mas não estão entre os que têm genomas mais resistentes à monilíase.
Em outros países, como o Equador, a monilíase provocou perdas de até 90% dos frutos. No Peru, a doença afetou de 40% a 50% da produção; na Colômbia, o impacto foi um pouco menor, de 30% a 40%.
“Nós tivemos que mandar material para a Austrália para sequenciar o genoma e saber quais dessas plantas têm o gene de resistência à monilíase, porque nós não temos a doença e não podemos introduzir a doença aqui”, explica Uilson Lopes, pesquisador em Genética Quantitativa e Melhoramento de Cacaueiro do Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec), na Superintendência da Ceplac em Ilhéus, na Bahia.
Como o cacaueiro é uma planta perene, os experimentos com os novos clones devem apresentar resultados mais consolidados sobre o nível de produtividade nos próximos três ou quatro anos. O pesquisador ressalta que a Ceplac fará a recomendação aos agricultores para produção em larga escala somente depois de confirmada a viabilidade e segurança das novas variedades clonais para a região.
Histórico – O programa de melhoramento genético de cacau começou na Ceplac em 1964, com a introdução de plantas de cacaueiros de áreas silvestres da Amazônia ou que se destacavam em outros países, como Costa Rica, Equador e Trinidad e Tobago, pela boa performance em produção de frutos, pela alta resistência a doenças ou por apresentar outras características, como qualidade das amêndoas.
“O foco desse programa ao longo dos anos é basicamente gerar plantas ou variedades, que, às vezes, chamamos de clones, ou de híbridos, de alta produção e resistentes a doenças”, explica Lopes, relatando que as primeiras variedades híbridas foram liberadas pela Ceplac para o agricultor em 1966. A partir do final da década de 80, quando as lavouras de cacau da Bahia começaram a ser devastadas pela vassoura-de-bruxa, o centro de pesquisa passou a desenvolver variedades de clones para combater a nova enfermidade.
“A Ceplac conseguiu subir a produção de cacau na Bahia de 100 mil toneladas por ano para cerca de 400 mil toneladas por ano. Essa região produzia 90% do cacau do Brasil, mas a vassoura chegou aqui e nós caímos para o mesmo nível de 35 anos atrás”, relata.
De 1995 a 2018, a Ceplac recomendou para plantio cerca de 50 clones, que passaram por ensaios nos laboratórios e nas fazendas de produtores de cacau da região. Os clones mais novos são o “Cepec 2176” e o “Cepec 2204”, que apresentaram resultados satisfatórios com relação à produtividade de frutos e resistência à vassoura-de-bruxa. Além do controle genético, a Ceplac também desenvolveu o fungicida biológico chamado Tricovab.
O biodefensivo é produzido a partir de um fungo que apresentou 97% de eficácia no controle da vassoura-de-bruxa. Para controlar a monilíase, a Ceplac já está analisando, em parceria com outros países, métodos de controle biológico para o combate ao novo fungo.