Trinta anos de pesquisa no Ital com urucum reunidos em livro trilíngue

A relevância e o potencial do urucum, planta nativa brasileira, respondem pelo lançamento do livro Urucum: Uma semente com a história do Brasil, de autoria de Paulo Roberto Nogueira Carvalho, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Com 320 páginas, o livro é todo escrito em português, espanhol e inglês.

Fonte do pigmento natural que se destaca na indústria de alimentos, o urucum também bastante procurada pelas indústrias cosmética, têxtil e farmacêutica, o urucum tornou-se ao longo das últimas décadas alvo de inúmeras pesquisas visando não só mais produtividade como também maior teor de pigmentos.

“Desde os indígenas – que utilizavam as sementes do urucum para se colorirem, protegerem-se do sol e como repelente – a história evoluiu de forma que ele se tornasse também, em poucos séculos, uma planta condimentar. Foi esse uso condimentar que propagou para caminhos mais amplos, despertou interesses, chegando aos dias de hoje como uma planta que gera tecnologia, renda, empregos, desenvolvimento social e saúde”, afirma no prefácio da publicação Victor Paulo de Oliveira, ex-pesquisador do Instituto Agronômico (IAC-APTA).

Urucum: Uma semente com a história do Brasil aborda as áreas relacionadas à cadeia produtiva de forma a resumir a experiência de 30 anos de trabalho de Paulo Carvalho e ao mesmo tempo apresentar diversos aspectos com a ajuda de importante time de colaboradores. Patrocinada pela New Max Industrial, cliente do Ital que comercializa, além do corante, o tocotrienol extraído do urucum, e apoiada pelo site www.ourucum.com.br, a publicação é comercializada pelo Centro de Comunicação e Transferência de Conhecimento (Cial) do Ital e parte de sua venda contribuirá com projetos relacionados à cultura.

O autor e suas pesquisas – Graduado em Química Industrial, mestre em Química Analítica e doutor em Ciências Químicas, Paulo Carvalho ingressou no Ital em 1982 e sete anos depois iniciava suas atividades com urucum, que se tornou seu principal tema de pesquisas, tendo assim coordenado vários eventos relacionados, publicado diversos artigos científicos e atuado intensamente junto a algumas das principais indústrias de corantes do País. Paralelamente, o pesquisador foi assessor técnico da direção do Ital de 1995 a 1998 e diretor do CCQA, de 2005 a 2008.

Atualmente Paulo Carvalho coordena projetos dedicados à separação de possível fitoterápico de sementes de urucum com colaboração de Mary Ann Foglio, professora da Faculdade de Ciência Farmacêutica da Unicamp, e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ele também é colaborador de outro projeto apoiado pela Fapesp sob coordenação de Mary Ann, que estuda a associação de frações fitoterápicas do urucum com frações de outras plantas.

Além disso, seis estudos com urucum orientados por ele tiveram seus resultados apresentados em outubro no 14º Congresso Interinstitucional de Iniciação Científica, tendo ficado em primeiro lugar dentre as apresentações orais do Ital o Estudo da estabilidade de bixina em sementes de urucum (Bixa orellana L.) armazenadas em diferentes embalagens de autoria de Beatriz Maluf Dória de Oliveira, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Curiosidades esclarecidas pelo autor

Afinal, o que é o urucum?

Talvez a forma mais fácil de apresentar o urucum é começar falando sobre o seu produto mais conhecido: o colorau. Um dos condimentos mais utilizados na culinária brasileira, o colorau é produzido a partir das sementes de urucum que, na produção doméstica, são moídas em um pilão, peneiradas e misturadas com farinha de milho. Hoje, a maior parte do colorau é produzida industrialmente, usando tecnologias modernas.

O urucum é uma planta nativa do brasileira e faz parte da história do Brasil. Gosto sempre de enfatizar que a primeira citação do urucum foi feita na carta que Pero Vaz de Caminha enviou a D. Manuel, rei de Portugal, informando a descoberta do Brasil. Na carta, Caminha descreve claramente o fruto do urucum e seu uso pelo nativos para colorir seus corpos.

Estudos recentes indicam que o urucum foi domesticado na região amazônica e hoje sua cultura se espalha por todo o País, tornando-o o maior produtor mundial desses grãos. O urucum é uma cultura típica de pequenos produtores. O alto custo da colheita, que ainda é feita de forma manual, torna a agricultura familiar muito competitiva com grandes plantações, que têm que contratar mão de obra cada vez mais rara e mais cara para a colheita.

Além do colorau, onde mais o urucum é utilizado?

O corante extraído das sementes de urucum é considerado o pigmento natural mais utilizado pelas indústrias de alimentos. Suas características peculiares permitiram que seu uso se generalizasse, sendo utilizados nos mais diferentes ramos das indústrias de alimentos.

Um exemplo clássico dessa versatilidade pode ser demonstrado na sua história junto à indústria de laticínios. A literatura relata que, com o início da retirada da gordura do leite de vaca para a fabricação da manteiga, os queijos, antes de cor amarelada devido à presença da gordura, tornaram-se brancos. Isso frustrou a expectativa do consumidor que estava acostumado com queijos de coloração amareladas pela presença da gordura natural do leite. Assim os produtores buscaram uma alternativa para manter a cor desses queijos produzidos com o leite desnatado. Os pigmentos do urucum resolveram esse problema, graças à propriedade que apresentam de se ligar a caseína do leite e se manter no queijo durante o processo de cura. Os queijos Prato, Cheddar, Reino e Saint Paulin são alguns exemplos dessa aplicação.

Os pigmentos de urucum também são fartamente encontrados em massas e produtos cárneos embutidos como na coloração externa da nossa famosa salsicha para cachorro-quente. Iogurtes, temperos, molhos, recheio de bolachas e sorvetes são outros exemplos de alimentos onde você pode encontrar tais corantes.

As sementes de urucum são benéficas à saúde?

Apesar de o urucum ser conhecido principalmente por seus pigmentos, há na literatura inúmeros relatos de seu uso na medicina doméstica como analgésico, anti-inflamatório, antifebril, antiparasitário, cicatrizante e antibacteriano e no tratamento de doenças cardiovasculares, diabetes e câncer.

Como apenas 10% do material contido nas sementes são aproveitados nos processos de produção de corantes, passamos a conduzir estudos para o aproveitamento integral e nos deparamos com inúmeras referências bibliográficas que atribuíam efeitos fitoterápicos a algumas de suas substâncias, dentre elas o geranilgeraniol e o tocotrienol.

Um projeto conduzido com o apoio da Fapesp permitiu que estudássemos a extração de geranilgeraniol em sementes de urucum. Um outro projeto, financiado pela iniciativa privada, completou esses estudos e dois outros produtos foram separados das sementes: um repelente com atividade similar aos produtos artificiais disponíveis hoje no mercado e os tocotrienóis.

Esses últimos fazem parte do grupo de substâncias com atividade vitamínica E e apresentam atividades antioxidante, redutora do colesterol e no combate de diversos tipos de câncer. Tais produtos já estão sendo extraídos pela indústria e está à disposição dos consumidores brasileiros.

O que motivou a publicação do livro?

Quando publiquei meu primeiro artigo sobre essa cultura, Urucum – Uma fonte de corante natural (1989), era uma revisão bibliográfica do que havia sobre o tema em uma época em que não existia as facilidades que a informática oferece hoje, então ficamos dias “confinados” em bibliotecas procurando em bancos de dados físicos artigos de nosso interesse.

As dificuldades que tivemos para encontrar artigos sobre esse tema me desafiou e desde então nunca mais deixei de trabalhar com o urucum. Assim, depois de mais de 30 anos trabalhando com essa cultura, resolvi deixar parte desse conhecimento registrado para que não se perdesse quando eu me aposentar.

Pode-se dizer que o livro tem um significado especial?

Sim. Eu tinha um sonho de publicar um livro que não só trouxesse informações importantes sobre o urucum como fosse visualmente agradável e que pudesse ser entendido por técnico e leigos e além de nossas fronteiras. Assim, buscamos uma equipe de colaboradores (diagramador, tradutores e revisores) que entendessem e abraçassem a nossa proposta. Dessa forma, foi produzida uma publicação em três idiomas, em tamanho grande (22,5 cm x 30cm), com capa dura e sobrecapa, todo em papel couché, ricamente ilustrado e com um conteúdo que abrange a história do urucum, os aspectos agronômicos, químicos e tecnológicos, além do uso dos corantes e suas atividades fitoterápicas, terminando com uma avaliação dos caminhos que as pesquisas apontam para essa cultura.