Stefan Mihailov*
Alimentar a crescente população mundial de forma sustentável é o maior desafio de países com vocação para produção, como o Brasil. Mas não basta ter oferta suficiente. É preciso produzir mais com menos, garantindo a segurança alimentar. Segundo a FAO, órgão da ONU para a alimentação, o número de pessoas atingidas pela fome em nível mundial diminuiu em mais de 100 milhões na última década, mas há ainda cerca de 805 milhões famintas – ou seja, um de cada nove habitantes do planeta não tem alimentos suficientes. Não podem existir fronteiras para os alimentos e temos que atacar o desperdício de frente.
O desafio é real e imediato. Há 10 mil anos, éramos 1 milhão de habitantes no planeta. Em 1800, ou seja, há pouco mais de 200 anos, chegamos a 1 bilhão de pessoas. Em 1970, 50 anos atrás, portanto, atingimos 3 bilhões de bocas. Agora, somos mais de 7 bilhões de pessoas, e em 2050, nossos filhos e netos estarão em um planeta com outras 9,8 bilhões de pessoas.
A população mundial cresce atualmente à taxa de 2,5 pessoas a cada segundo. Serão 2,2 bilhões de pessoas a mais daqui a três décadas. E com características específicas. A população idosa (mais de 60 anos) representará 22% do total (hoje é de 10%) e a população urbana chegará a 6,3 bilhões de pessoas – no ritmo atual, a cada semana 1,5 milhão de pessoas passam a viver nas cidades. A classe média deverá atingir 4,9 bilhões de pessoas até 2030: aumento de 172%. Projetando para 2050, o consumo per capita de leite e derivados crescerá 53% e o de carnes, mais de 75%.
A combinação de crescimento populacional, urbanização e aumento do poder aquisitivo provocará crescimento exponencial na demanda por alimentos. Os números são impressionantes mesmo. Os últimos 8.000 anos equivalem aos próximos 35 anos em termos de volume necessário de alimentos.
Assim, o mundo precisará produzir 70% mais alimentos para atender essa demanda. E cerca de 90% do aumento da produção de alimentos virão dos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil.
Nosso país, aliás, é um agente fundamental nesse desafio. De acordo com estimativas da FAO, o Brasil precisará aumentar sua produção em 40% para suprir a demanda mundial em 2050.
Condições para isso temos de sobra. O Brasil é essencialmente agrícola. O agronegócio representa 22% do PIB brasileiro. Entre 1997 e 2017, a produção de carne suína saltou de 1,5 para mais de 3,8 milhões toneladas: mais que dobrou. A carne bovina também cresceu de forma significativa: de 6 para 9,5 milhões de toneladas. E a produção de carne de aves saiu de 4,4 para 14 milhões de toneladas. Triplicou em apenas 20 anos.
Em grãos, a produtividade do Brasil no final da década de 1970 era de cerca de 600 kg por hectare. Nos últimos dois anos, superamos a marca de 3,5 toneladas por hectare plantado. E sem subsídios.
Há no mundo apenas três países (Estados Unidos, China e Brasil) com área total acima de 5 milhões de km2, PIB anual maior que US$ 1 trilhão e população superior a 150 milhões de habitantes. Estados Unidos e China estão localizados no hemisfério norte, com limitações climáticas para a agricultura durante vários meses no ano. A temperatura anual média na China é de 7°C e nos Estados Unidos, 8,5°C.
O Brasil, ao contrário, com temperatura média de 25°C, tem disponibilidade de água e sol, o que nos dá condição única para maximizar o uso da terra na produção de alimentos.
Já somos fortes em termos globais e nos tornaremos ainda mais relevantes. Somos número 1 em produção e exportação de suco de laranja, café e açúcar; na soja e no milho ocupamos a 2ª posição mundial em exportação e o 2º e o 3º lugares, respectivamente, entre os maiores produtores. Em breve, seremos o maior produtor mundial de soja, ultrapassando os Estados Unidos.
No complexo carnes não é diferente. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e carne de frango e o segundo maior produtor em ambas as atividades. Em carne suína, estamos conquistando mercados de forma acelerada. Já somos o 4º em produção e em exportação, com muito espaço ainda para crescer. Em ovos e leite, ainda não temos participação relevante no mercado mundial, mas somos o 7º maior produtor mundial de ovos e o 4º maior de leite.
No mercado interno, temos o terceiro maior consumo anual per capita de carnes (87 kg por habitante), atrás somente dos Estados Unidos, que alcança 114 kg/habitante/ano, e da Argentina, com 107 kg.
Em 2018, o Brasil deverá atingir o extraordinário patamar de US$ 100 bilhões em exportações de alimentos. Os principais mercados importadores são União Europeia, Estados Unidos e China. De um total de US$ 1,1 trilhão negociados no mundo, o Brasil detém 9%.
Mas cada vez será mais difícil crescer, seja por barreiras comerciais protecionistas ou mesmo sanitárias. A sanidade, aliás, é outra vantagem competitiva do Brasil, um país sem vaca louca e sem influenza aviária, mas que deve redobrar a atenção para que não sejamos impactados por ocorrências que podem ser prevenidas.
Outra característica fantástica do nosso país é a produção sustentável. Grande produtor de alimentos, energia e fibras, o Brasil é uma potência também em preservação ambiental, com mais de 66% de seu território recobertos por vegetação nativa. E esse percentual sobe para quase 75% quando agregadas as áreas de pastagem nativa do Pantanal, Pampa, Caatinga e Cerrados, somando 631 milhões de hectares: área equivalente a 28 países da Europa somados.
Toda a produção brasileira de grãos (milho, arroz, soja, feijão etc), fibras (algodão, celulose etc) e agroenergia (cana-de-açúcar, florestas energéticas etc) ocupa apenas 9% do país. As pastagens plantadas representam 13,2% do nosso território.
Assim, estamos entre os maiores fornecedores de alimentos do mundo destinando 22,2% da área territorial para a produção. Os dados são da Embrapa Territorial, que também mostra que a área total destinada à preservação, manutenção e proteção da vegetação nativa representa 2/3 de todo o território brasileiro.
Isso não é tudo. Os produtores rurais brasileiros são responsáveis pela preservação de mais de 218 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a um quarto do território nacional (25,6%). Os agricultores preservam mais vegetação nativa no interior de suas propriedades que todas as unidades de conservação juntas. Ainda segundo a Embrapa, o valor do patrimônio fundiário imobilizado em preservação ambiental chega a R$ 3,1 trilhões. Esse compromisso exige custo de manutenção superior a R$ 20 bilhões anuais. Esta área preservada pelos agricultores e pecuaristas equivale a todo o território somado da Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Portugal, Benelux, Reino Unido e França.
Importante destacar que o Brasil, que já é campeão da preservação territorial, exige por lei que os agricultores e pecuaristas assumam o ônus de preservar porções significativas de seus imóveis rurais, partindo de 20% num crescendo que chega a 80% da área da propriedade na Amazônia.
Números do Banco Mundial referentes ao percentual de áreas preservadas em diferentes países em relação ao território total mostram que o Brasil preserva 4 vezes mais que os Estados Unidos, Rússia e Austrália, por exemplo. Produzir sempre mais com menos. De forma sustentável. Esse é o principal destaque do currículo do Brasil, líder entre os grandes produtores mundiais de alimentos. Esse desafio está sendo vencido. E com sustentabilidade.
* Stefan Mihailov é presidente da Trouw Nutrition para a América Latina