Roberto Rodrigues*
Em 1970, o grande engenheiro agrônomo norte-americano Norman Bourlaug ganhou o prêmio Nobel da Paz por sua inestimável contribuição para o aumento da produção de alimentos nos países em desenvolvimento: multiplicou por 5 a produtividade do trigo no México e em países africanos. Seus conterrâneos calcularam que isso havia salvo da fome um bilhão de pessoas. Sabendo que não haveria paz onde houvesse fome, a Academia do Nobel conferiu a Bourlaug, com toda justiça, aquele galardão.
Foi a última vez que o Nobel da Paz teve uma conexão direta com a atividade rural. E já se passaram 50 anos!
Desde então, a agropecuária e o agronegócio tiveram um desenvolvimento espetacular em todo o mundo, mas em especial nos países tropicais, entre os quais se destacou o Brasil. Quando Bourlaug recebeu seu prêmio, o Brasil importava 30% dos alimentos que consumia, desde o feijão até o leite, passando por carne, trigo e mesmo arroz. Em 1976, produzíamos 47 milhões de toneladas de grãos e hoje, 242 milhões. A produção das carnes (bovinos, aves e suínos) era de 2,7 milhões de toneladas e hoje é de 28,7 milhões. E o Brasil se transformou, desde então, em um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, levando segurança alimentar para bem mais de um bilhão de pessoas.
Claro que isso se deve aos avanços tecnológicos extraordinários, ao empreendedorismo dos nossos produtores rurais e a algumas políticas públicas que se sucederam desde então. Mas sempre tem alguém que inspira e aponta o caminho em evoluções tão impressionantes.
E nós temos um gigantesco herói nesse processo: um engenheiro agrônomo mineiro que comandou a maior revolução tropical agrícola da história. Chama-se Alysson Paolinelli e é impossível contar sua saga no espaço de um artigo.
Paolinelli era o jovem diretor da Escola Superior de Agricultura de Lavras, Minas Gerais, quando foi convidado pelo governador Rondon Pacheco para ser secretário de Agricultura de seu Estado. Lá, organizou o sistema de pesquisa agropecuária e de extensão rural com resultados tão rápidos que chamou a atenção do presidente Ernesto Geisel e este o convocou para assumir o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Daí em diante, desfraldou com coragem a bandeira da autossuficiência alimentar brasileira, a partir da montagem da Embrapa onde, liderando uma equipe brilhante, partiu para a conquista do cerrado brasileiro. Criou o Prodecer (Programa de Desenvolvimento do Cerrado), numa parceria entre os governos do Brasil e do Japão. Para esse empreendimento gigantesco, Paolinelli chamou as cooperativas agropecuárias do Sul e do Sudeste, e dessa maneira trouxe os pequenos produtores profissionais daquelas regiões. Com a tecnologia tropicalizada pelos técnicos da Embrapa, que Paolinelli e seus companheiros tinham enviado para fora para estudar as rotas tecnológicas mais modernas, o cerrado explodiu em produção e produtividade, atraindo investidores de outras regiões do País. A soja, a brachiaria e o zebu foram a ponta de lança dessa conquista e atrás dela vieram o milho e a produção de frangos e suínos, o café, a cana de açúcar, o algodão e as frutas.
Paolinelli também criou o Polocentro para estimular ainda mais a região Central, e participou do Proalcool, maior programa mundial de alternativa ao petróleo, cujos preços tinham aumentado muito nos anos anteriores. Montou programas de irrigação em grande escala no Nordeste e no Sudeste, viabilizando produções intensivas, sempre apoiando o agricultor.
Depois que saiu do governo, seguiu sua missão: foi deputado federal constituinte e teve papel central na criação da Frente Parlamentar da Agricultura, que emplacou na Constituição de 1988 a novidade da Lei Agrícola.
Foi presidente da CNA, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, modernizando a instituição que tem a representação legal do setor, e aí ajudou a criar e a liderar a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira que tantas conquistas trouxe ao campo.
Como produtor rural, aplicou a integração lavoura-pecuária-floresta desenvolvida pela Embrapa e impulsionou esse programa em 2005. Hoje, preside a Associação Brasileira de Produtores de Milho e o Fórum do Futuro, onde estuda os nossos biomas, convencido de que a sustentabilidade da produção é a base da competitividade e será obtida com as tecnologias disruptivas.
Professor admirado, conferencista emérito, conselheiro de empresas e instituições, consultor global, Paolinelli tem um legado imensurável na transformação do Brasil na grande potência mundial do agronegócio, e no papel do País na alimentação de pessoas no mundo todo. Isso faz dele o maior brasileiro vivo.
Paolinelli segue batalhando para acabar com a fome, em busca da paz universal. Nada mais correto, então, do que este ilustre brasileiro receber o Nobel da Paz. É tempo de trabalhar por esse merecido troféu.
*Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro)
Artigo escrito e divulgado aos meios de comunicação no início de 2020