O Instituto Agronômico (IAC-APTA), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, em Campinas (SP), está desenvolvendo pesquisa com o objetivo de estimar a erosão do solo em áreas cobertas por plantios. O estudo é feito por meio de imagens aéreas, geradas por Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTS), os drones.
Esta tecnologia utiliza-se de princípios básicos da aerofotogrametria e já é usada para gerar informações diversas, como para calcular volume de reservatórios, determinar a quantidade de espécies vegetais em certa região, identificar falhas em lavouras e também para estimar produções agrícolas, por meio do cálculo de biomassa. Porém, a aplicação da tecnologia para estimar o processo de erosão do solo onde já há culturas instaladas demanda novos conhecimentos e nunca foi conduzida no país. Essa pesquisa do IAC, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, está na fronteira do conhecimento, segundo o pesquisador responsável, Bernardo Cândido, que já validou essa técnica em solo descoberto, durante sua pesquisa de doutorado.
“O desafio é conseguir aplicar a tecnologia de mapeamento aéreo para estimar erosão em área já cultivada; em escala maior é um desafio, ninguém avançou nesse sentido ainda”, afirma Cândido, que ingressou no IAC em março de 2019, como pós-doutor, com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
A tecnologia possibilita o processamento de imagens em software específico, gera mapas de relevo da área e de uso da terra, além de qualificar a região mais propícia para cada atividade, por exemplo, construção de reservatório de água ou instalação de lavoura.
Segundo o pesquisador, com a aerofotogrametria é possível reconstruir a superfície do solo a partir de imagens em movimento, técnica internacionalmente conhecida por structure-from-motion. “Conseguimos fazer o mapeamento em 3D”, diz Cândido. Na pesquisa no IAC, está sendo usado um drone quadricóptero de baixo custo, e um asa fixa de última geração importado da Suíça, por cerca de R$ 270 mil. O asa fixa é acompanhado de uma câmera termal, que possibilita estimar o teor de água na planta, e tem como objetivo monitorar o estresse hídrico das culturas em diferentes épocas.
No IAC, esse estudo será específico em citros. Segundo o pesquisador, na América do Sul há poucas unidades dessa câmera sendo utilizada. Os pesquisadores pretendem avaliar como se dá a condução dos experimentos e a precisão das medições em duas condições: ao usar um veículo mais acessível e outro de alto custo.
A equipe está definindo as áreas onde serão feitos experimentos com esses recursos para avaliar a produtividade agrícola e monitorar o processo erosivo nas áreas de cultivo. Em Catanduva, interior paulista, foram instalados experimentos visando estimar a erosão hídrica em carreadores de cana-de-açúcar, utilizando VANT e imagens aéreas.
O grupo do IAC mantém intercâmbio com cientistas da Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Espanha, que também têm interesse em informações sobre erosão em áreas plantadas. “Como quantificar erosão em tempo real, em área de cultivo, com equipamento de baixo custo?”. Essas e outras perguntas deverão respondidas ao longo de quatro anos de estudos, sendo que um deles será conduzido na Alemanha, no Instituto de Tecnologia de Dresden.
A pesquisa no IAC é direcionada para promover o avanço dessa tecnologia não somente em erosão de solo, mas também em outros aspectos da agricultura. “Já está em andamento um projeto para validar a estimativa de produção em citros e cana-de-açúcar, mas ainda é inicial”, diz Cândido.
Usos da fotogrametria – O estudo envolvendo a erosão hídrica em solo coberto é inédito. Porém, o mapeamento por imagens aéreas já é adotado na agricultura e em outros segmentos. Por exemplo, no Brasil, há produtores que já adotam o asa fixa para identificar falhas no plantio da cana-de-açúcar e para avaliar o vigor das plantas. “Eles usam, mas não existem dados científicos que validem as informações geradas pelos veículos”, diz o pesquisador, ao ressaltar que, no Brasil, a pesquisa do IAC trará os primeiros dados comprovados cientificamente.
“Vamos validar com precisão e estabelecer os critérios para fazer estimativas confiáveis, trazer um olhar científico para essa tecnologia já usada no mercado”, destaca Cândido, que desenvolveu a primeira tese no Brasil para monitorar e quantificar erosão hídrica a partir de imagens aéreas. De acordo com o pesquisador, é possível quantificar o volume de biomassa em cana e estimar a relação de produtividade com biomassa. Com essa tecnologia, consegue-se estimar com rapidez a produção e o ponto de colheita. “Vai ser muito útil para escalonar o período de colheita em usinas”, afirma.
A geração de imagens aéreas para produzir mapeamentos também pode ser obtida por satélite. Porém, há mais benefícios no uso de drones e outros VANTs. Um dos ganhos está na elaboração de estruturas em 3D, recurso que possibilita calcular volumes, enquanto o satélite só produz em 2D. “Esse recurso permite estimar qual o volume de água é necessário para preencher um açude, por exemplo, ou o montante de cana-de-açúcar para ser colhido ou ainda qual o total de árvores ou a porcentagem de determinada espécie em uma área, no caso de um inventário florestal”, explica.
Outros benefícios estão na celeridade proporcionada pelos VANTs e a possibilidade de mapear a todo tempo, com periodicidade bem maior. “O satélite registra a imagem de tempo em tempo e se tiver uma nuvem naquele momento, perde-se o registro”, esclarece. A qualidade da resolução da imagem também é superior no uso de drone, porque este sobrevoa mais perto do solo. Além desses ganhos, os drones têm baixo custo, há equipamentos por R$ 2 mil.
Cooperação técnica com o Mali – O pesquisador Bernardo Cândido também participa de um projeto no Mali, país africano escolhido para receber o projeto piloto de cooperação técnica entre o Brasil e o Mali, que envolve a Universidade Federal de Lavras (UFLA) e o IAC, com financiamento pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), com recursos federais. O projeto tem como objetivo aumentar a produção de algodão naquele país, que é o maior produtor de algodão da África e um dos maiores do mundo, com 728 mil toneladas produzidas em 2018.
No Mali, os solos são ácidos, semelhantes aos de algumas regiões brasileiras, como Tocantins e Goiás. Porém, o país tem métodos de análise de solo baseados em protocolos franceses, país que apresenta biomas distintos da savana africana. Lá, ainda há o problema de infiltração de água no solo, em função da presença de camadas subsuperficiais de impedimento, provocando alagamentos e erosões em épocas de chuva.
Para desenvolver o projeto, foram selecionadas duas regiões: Bandiagara II e Siani, sendo esta menos carente que a primeira. “Mapeamos as duas regiões para orientar o melhor uso do solo, que é pedregoso, e vamos orientá-los a fazer açude para armazenar água da chuva”, diz o pesquisador.
A reserva hídrica atenderá ao manejo das lavouras e evitará o surgimento de poças, focos de doenças entre as crianças. “Pretende-se, com a tecnologia, reduzir a erosão do solo, que resulta em acúmulo de água durante o período de chuva e consequente transmissão de doenças às crianças, que circulam nas águas paradas”, explica o pesquisador do IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).
O solo de Bandiagara II se assemelha do Cerrado brasileiro. “Aqui conhecemos metodologias de análises de solos precisas para solos tropicais, esses conhecimentos levaremos para o Mali”, conta Cândido. No Mali, é quente e úmido, as temperaturas chegam a 45ºC, no sol, e 35ºC à noite, a seca é severa, exceto no período de chuvas, de junho a agosto.
Em Bandiagara II, onde o nível técnico é muito baixo e inferior ao de Siani, vivem cerca de 400 pessoas, sendo que a metade da população é composta por crianças. Segundo a equipe médica do projeto, praticamente todas elas têm anemia e a taxa de mortalidade é de 50% até os dois anos de idade.
“Nosso objetivo é aumentar a produtividade do algodão, que é a principal cultural local, e também tornar o solo mais produtivo, beneficiando outras culturas; isso poderá impactar a vida da comunidade, que sofre com a desnutrição”, diz Cândido.
Em outubro de 2019, o pesquisador do IAC esteve no Mali, onde fez mapeamento aéreo por 24 mil fotos. Essas imagens tridimensionais e em alta resolução fornecerão informações para gerar ferramentas úteis no projeto. O drone mapeou cerca de 711 hectares em Bandiagara II e 1600 hectares em Siani. “Mapeamos toda a área onde vive a população para analisarmos como está o uso da terra e apontar a aptidão do solo para cada cultura”, afirma.
Com base nesses dados, serão desenvolvidos protocolos para analisar os solos, semelhantes aos brasileiros. “Pretendemos enriquecer o solo para que isso reflita na nutrição da população”, ressalta. A população local também produz milho, milheto, mandioca, caju, batata e hortícolas.
Em março de 2020 deverá estar pronto o primeiro diagnóstico, que definirá as intervenções a serem feitas, como elaboração de mapas de curva de nível do solo, possível mudança de áreas de plantio e readequação de acordo com os procedimentos de uso da terra. “Pretendemos estabelecer áreas de captação de água e de viveiro de mudas, que poderão ser plantadas pela população”, afirma. Essa etapa deverá ser implementada em julho de 2020.
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