Que a logística e a armazenagem são gargalos importantes quando o assunto é o escoamento das safras de grãos, é fato corriqueiro. Embora os percentuais sejam baixos, em termos absolutos os valores são significativos, pois, na última década, os ganhos de produtividade no cultivo de grãos no Brasil levaram a uma acelerada expansão do setor. Enquanto as taxas de área cultivada crescem cerca de 2% ao ano, a produção subiu de 4 a 4,5%. Seguindo esse ritmo, “chegamos à safra 2019/2020 com a expectativa de bater todos os recordes de produção, com previsão de colheita de 245 milhões de toneladas de grãos, crescimento de 1,6% em relação à última safra”, comenta Luiz Felipe Leidens, coordenador de Marketing da Kepler Werber.
O tamanho do problema foi materializado em pesquisa realizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), divulgada em 5 de novembro: no transporte de grãos das rodovias até os portos de embarque para exportação, especialmente de arroz, trigo e milho, o Brasil perde percentuais de 0,13%, 0,17% e 0,10%, respectivamente, incluindo a armazenagem. Ou seja, o Brasil, sem exagero, perderá até o final da safra mais de 343 mil toneladas.
No caso específico do trigo, a apuração chegou a um índice médio mensal obtido de quebra técnica nos grãos, calculado por meio de amostragens, de 0,43% para silos de alvenaria e de 0,11% para os metálicos. Já o arroz, cuja maior produção nacional tem origem nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins, tem variação de 1,5 a 4% de perdas na armazenagem em silos.
As más condições das rodovias, a precariedade da frota de caminhões e a imprudência de motoristas foram diagnosticas como causa das perdas. Ponto positivo destacado pelo relatório compreende a boa conservação sanitária dos grãos, tanto nos segmentos de armazenagem, quanto na industrialização e na comercialização.
Essas informações foram divulgadas durante o I Seminário sobre Eficiência e Redução de Perdas no Armazenamento e Transporte de Grãos no Brasil, realizado em Curitiba (PR). As apresentações dos painéis podem ser consultadas em https://www.conab.gov.br/armazenagem-k2.
Armazenagem, outro elo fraco – Frente aos números apresentados pela Conab e as expectativas da atual safra (2019-2020), em que pese o desenvolvimento deste mercado e seu papel de destaque nas exportações, além do transporte e da logística, os investimentos em armazenagem também estão significativamente aquém do desejado e do necessário. Segundo Leidens, o déficit de armazenagem previsto para 2020 está próximo de 87 milhões de toneladas de grãos.
Baseando-se em informações da Conab, o coordenador de Marketing da Kepler Werber cita que, no Brasil, “somente 16% da produção é armazenada nas propriedades agrícolas. Os investimentos nesta área ainda estão concentrados em grandes fazendas empresariais, tradings e cerealistas, sobrecarregando o sistema logístico e de armazenagem intermediária nas épocas de colheita. A capacidade estática de um país deve exceder em 20% sua produção, ou seja, o ideal seria que o Brasil contasse com uma infraestrutura capaz de armazenar cerca de 290 milhões de toneladas de grãos, valor muito superior à nossa atual capacidade de armazenagem que não chega aos 170 milhões de toneladas. Comparando nossa realidade a outros grandes mercados agro é possível perceber que o Brasil está na contramão de uma tendência que garante mais eficiência e lucro para o produtor: na Argentina, por exemplo, 21% da capacidade de estocagem está localizada nas propriedade rurais; na União Europeia esse número salta para 50%; já nos Estados Unidos, o valor é de 56%; enquanto no Canadá, 80% da infraestrutura de estocagem está presente nas fazendas”.
Esses problemas sistêmicos são agravados pela situação fiscal do País, que levou a cortes de investimentos no setor. “Na safra 2013/2014, o Governo Federal lançou o PCA – Plano de Construção de Armazéns- com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento do segmento e diminuir os problemas de estocagem. Seriam destinados R$5 bilhões anuais durante cinco anos para o setor, que serviriam para aumentar o acesso ao crédito e estimular o investimento por parte dos produtores rurais. Entretanto, na safra 2015/2016 a verba foi cortada pela metade, sofrendo reduções constantes ano a ano, chegando a 2019 com previsão de orçamento de R$1,8 bilhão. Ou seja, diferente da previsão inicial de liberar R$ 25 bilhões em 5 anos, o que aconteceu foi um incentivo de menos de R$ 15 bilhões”, lamenta Leidens, frisando que o modelo adotado em outros países de destaque no cenário agro evita “gargalos logísticos, diminui custos de produção, além de garantir melhores possibilidades de negociação do grão, permitindo que o produtor escolha a melhor época ou o comercialize no mercado de lotes, em que os ganhos podem variar de 9,3% a 15,4% em relação ao mercado de balcão”.
A única alternativa capaz de alterar positivamente o cenário vincula-se ao “ aumento de investimentos em armazenagem de grãos não é somente necessário para um país como o Brasil, que vem se consolidando rapidamente como uma das grandes potências agrícolas mundiais. É uma questão urgente que pode, inclusive, nos tornar menos competitivos em relação a outros mercados. Para que isso não ocorra, é necessário que sejam destinados mais recursos para o segmento e que os produtores entendam que possuem um papel crucial na mudança de panorama da armazenagem no Brasil, ao enxergá-la como investimento e não como custo”, reivindica o executivo.