João Guilherme Sabino Ometto*
Nos últimos 20 anos, as enfermidades zoonóticas, ou seja, aquelas transmitidas de animais para os seres humanos, provocaram perdas econômicas superiores a US$ 100 bilhões. A conta, frise-se, ainda não inclui a Covid-19, cuja origem é atribuída provavelmente a morcegos e ao pangolim. A pandemia, além da irreparável morte de milhares de pessoas, deverá causar prejuízos globais de US$ 9 trilhões.
Os dados constam de novo estudo, intitulado “Prevenir a próxima pandemia: doenças zoonóticas e como quebrar a cadeia de transmissão”, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária (ILRI). O trabalho alerta e lembra que o novo coronavírus, que, até 6 de julho, data de sua divulgação, já havia provocado mais de meio milhão de óbitos em todo o mundo, é apenas a mais recente dentre várias infecções disseminadas por ações humanas equivocadas, favorecendo o contágio a partir de animais. Alguns exemplos são o ebola, Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), Febre do Nilo Ocidental e Febre do Vale Rift.
Estima-se que aproximadamente 60% das infecções humanas tenham origem em animais, índice que chega a 75% quando consideradas as enfermidades novas e emergentes, como a que estamos enfrentando neste momento. A maioria surge por meio do sistema de alimentação, pela forma como grupos populacionais obtêm e cultivam algumas lavouras, produzem, comercializam e consomem animais, bem como as intersecções de tudo isso com o meio ambiente. Quem, como eu, nasceu, foi criado e sempre trabalhou no campo, conhece bem esse tipo de problema.
São sete as causas das doenças zoonóticas identificadas pelo estudo: o crescimento da demanda por proteínas animais; a intensificação de práticas agrícolas não sustentáveis; o aumento do uso e exploração de espécies silvestres; a utilização insustentável dos recursos naturais, acelerada pela urbanização, ocupação irregular do solo e indústria extrativa não regulamentada; o aumento dos deslocamentos humanos em todo o planeta; alterações no suprimento de alimentos; e as mudanças climáticas.
Analisando esses “sete pecados capitais”, percebemos que a insegurança alimentar é uma causa significativa da transmissão de doenças novas de animais para humanos. Com fome, flagelo que atinge mais de 800 milhões de habitantes da Terra, as pessoas comem o que tiverem à disposição, incluindo espécies silvestres. Assim, a humanidade vai pagando um preço cada vez mais elevado por não solucionar o grave problema da insegurança alimentar, uma responsabilidade de todos os governos e os povos.
Nota-se que as sete causas das doenças zoonóticas têm como epicentro a prática equivocada da agropecuária ou ausência dela e a baixa oferta de comida em regiões e bolsões de subdesenvolvimento, bem como o dano ambiental causado por esses problemas, para o qual também contribuem todos os fatores conhecidos da economia do carbono. Fica muito claro que a “vacina” contra essas causas está no agronegócio sustentável, que produz alimentos com segurança sanitária e combustíveis mais limpos, renováveis e sustentáveis, como o etanol, que reduzem bastante a emissão de gases de efeito-estufa, ajudando a conter o aquecimento terrestre.
O Brasil tem encontrado respostas para essas questões, pois sua agropecuária é uma das mais avançadas do mundo, com alta capacidade de produção de alimentos, commodities e biocombustíveis. Tais atividades realizam-se sob a regulação do Código Florestal (Lei 12.651/2012), que estabelece normas para proteção da vegetação nativa e reservas legais no campo. Esta é a realidade dos estabelecimentos e polos rurais avançados, predominantes em amplas áreas destinadas às lavouras e à criação de rebanhos.
Nosso desafio é expandir cada vez mais as fronteiras da agropecuária sustentável e coibir práticas ecologicamente lesivas, para o que devem contribuir políticas públicas eficazes para o setor. Também é fundamental trabalhar pela segurança alimentar de todos os brasileiros, e a melhor maneira de fazermos isso é solucionando os problemas econômicos históricos que temos enfrentado.
Conforme conclui o próprio estudo do PNUMA, a ciência é clara ao afirmar que, se continuarmos explorando o meio selvagem e destruindo os ecossistemas, podemos esperar um fluxo constante de doenças transmitidas de animais para seres humanos. Diante disso, reitero que numerosas das respostas encontram-se na agropecuária sustentável. Assim, precisamos fazer seus benefícios alcançarem cada vez mais habitantes de nosso país e pessoas em todo o mundo.
*João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP), é empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).
Foto: Fiesp