ARTIGO – Setor agropecuário: o salvador da pátria em termos de PIB?

André Fernandes Lima*

Há alguns dias, o IBGE divulgou os dados das chamadas “Contas Nacionais Trimestrais”, que englobam os dados do PIB. Verificou-se que o PIB, no primeiro trimestre de 2020, apresentou queda de 1,5% em relação ao último trimestre de 2019. Olhando sob a ótica da oferta, em que o PIB é mensurado a partir dos grandes setores da economia, a Indústria apresentou uma queda de 1,4%, Serviços apresentou queda de 1,6% e a Agropecuária, ao contrário dos outros dois setores, apresentou crescimento de 0,6%. Olhando sob a ótica da demanda, o consumo das famílias e as exportações caíram em relação ao trimestre anterior, queda de 2% e de 0,9%, respectivamente, ao passo em que o consumo do governo aumentou 0,2%, a formação bruta de capital fixo cresceu 3,1% e as importações subiram 2,8%.

Os dados acima expostos, que evidenciam a retração da atividade econômica de nosso país, parecem ser apenas uma demonstração do que se pode esperar para o ano de 2020. Afinal, esses números foram apenas em parte afetados pela covid-19, dado que nos dois primeiros meses do ano os setores mais afetados foram apenas aqueles que tinham relação com outros países (como, por exemplo, os exportadores, por conta da retração no consumo no exterior, e os importadores, dada a depreciação do real frente ao dólar). Foi no mês de março que o impacto do coronavírus começou a se espalhar de maneira mais intensa pelos outros setores da economia brasileira.

As perspectivas para o este ano têm-se mostrado cada vez mais pessimistas. Se olharmos ao longo das últimas semanas, tem-se depreciado as estimativas sobre o comportamento do PIB no ano. No final de janeiro as estimativas coletadas pelo Banco Central junto aos analistas de mercado (apresentadas pelo seu relatório Focus) projetavam um crescimento de 2,3% para o PIB ao longo de 2020. No final de fevereiro, por conta da propagação da covid-19 pelo mundo – com efeitos sobre os parceiros comerciais do Brasil – a estimativa já tinha se reduzido para 1,99%. Já em final de março, as estimativas passaram a ser não mais de crescimento, mas de retração (de queda de 0,90%, nas estimativas de 31 de março) e hoje estão em cerca de 6,3% (conforme o mesmo relatório Focus do Banco Central, com base em dados coletados em 29 de maio), enquanto algumas estimativas mais pessimistas já apontam queda superior a 10%. Então, tudo indica que 2020 será um ano em que esperar crescimento do PIB representa um comportamento pouco realista, sendo mais factível esperar pela amenização dos efeitos negativos da pandemia sobre a economia, não apenas no Brasil, mas no mundo como um todo.

Gostaria de, neste texto, entretanto, convidá-lo a olhar um pouco para o comportamento do único setor que apresentou crescimento no primeiro trimestre do ano, a Agropecuária. Este setor, na década de 1960, representava cerca de 18% do valor agregado por cada um dos setores na composição do PIB brasileiro, participação que caiu para 10% na década de 1980 e para 6% na década de 1990, mantendo-se estável neste nível até os dias atuais (atualmente a indústria representa outros 25% e o setor de serviços 69% de participação). Ainda analisando este período (composto por 96 trimestres), temos que o setor apresentou oscilações positivas 65% das vezes, enquanto o setor de indústria cresceu 61% das vezes e serviços em 80% das vezes. O PIB, por sua vez, apresentou crescimento em 72% das observações. No gráfico abaixo podemos verificar a variação trimestral no PIB para cada um dos setores e o consolidado no período. No início do período analisado, houve uma queda significativa na lavoura no primeiro trimestre de 1997, impactando significativamente no desempenho do setor, que acabou sendo mais fraco que no período anterior. O mesmo ocorreu no início do ano de 2012, devido a problemas climáticos (estiagens) que resultaram numa quebra significativa na safra de soja que, na época, representava cerca de 20% do PIB do setor.

Quando olhamos para as relações do país com o setor externo, a agropecuária tem observado sua participação nas exportações (vendas ao exterior) brasileiras aumentar ao longo do tempo. No ano de 1997, as exportações do setor representavam cerca de 11% do total de exportações do país, ao passo em que as exportações da indústria de transformação representavam 81%. Agora em 2020 (dados acumulados até o mês de abril), as exportações de produtos agropecuários representam 23% do total, enquanto as exportações da indústria de transformação recuaram para 54% do total (valor mínimo da sua série histórica).

Em termos de importações (compras do exterior), a participação da agropecuária, embora sempre pequena, tem diminuído ao longo do tempo, oscilando entre 5% (em 1997) e 2% (em 2019), situando-se em 3% nos quatro primeiros meses do ano de 2020. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a indústria de transformação tem diminuído sua participação nas exportações, quando o assunto são as importações, sua participação tem aumentado: era de 87% em 1997, chegou ao seu nível mínimo de 82% em 2004 e 2006 e está, atualmente, em 92%.

Vale lembrar que as exportações representam produção realizada aqui no país, gerando ingresso de dinheiro e contribuindo para o crescimento da nossa economia. Já as importações têm o efeito contrário, gerando envio de dinheiro ao exterior. Desta forma, é importante, para entendermos como cada setor, em termos de relacionamento com o exterior, contribui para o crescimento do PIB, olharmos para a diferença entre as exportações e as importações, conceito que é economicamente intitulado de “exportações líquidas”.

No gráfico acima, percebe-se que a agropecuária tem, ao longo do tempo, aumentado substancialmente sua contribuição ao crescimento da economia brasileira quando o assunto são as relações comerciais com o exterior. No período de 2010 a 2019, as exportações líquidas do setor somaram US﹩ 309 bilhões. No mesmo período, a indústria de transformação apresentou exportações líquidas de US﹩ -338 bilhões (sim, valor negativo mesmo), isto é, importou-se mais do que se exportou, na indústria de transformação, US﹩ 338 bilhões.

Muito mais se poderia expor a respeito do setor de agropecuária (poderíamos, por exemplo, olhar para a pauta de exportação dos produtos agropecuários, analisar os principais parceiros comerciais do país), mas gostaria apenas de ressaltar que este setor que representa menos de 10% do PIB tem – como procuramos expor acima – contribuído consistentemente, ao longo do tempo, para o crescimento de nossa economia, principalmente quando falamos em termos de relacionamento com os outros países. Sua atuação tem sido tão consistente, que neste primeiro trimestre foi o único setor a apresentar crescimento e, dado o cenário internacional, apresenta perspectivas de consolidação desse seu papel em termos de PIB.

*André Fernandes Lima é mestre e doutor em Administração de Empresas, pós-graduado em Economia Aplicada à Administração e Finanças e graduado em Ciências Econômicas. É professor das disciplinas de Finanças Corporativas e Mercados Financeiros na Universidade Presbiteriana Mackenzie.