Na comparação entre 2019 e 2018, a expectativa é de crescimento de cerca de 1,5% da demanda nacional por farinha de trigo e derivados, no entanto, para esta expansão refletir positivamente nos resultados da indústria moageira algumas medidas são necessárias, uma vez que, devido à crise e ao desemprego ainda elevado no País, os moinhos não têm repassado os aumentos de custo da produção, ao redor de 17%, às padarias, à indústria alimentícia e ao consumidor final. Essas informações, fornecidas pela Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo, permite à entidade, de acordo com seu presidente, o embaixador Rubens Barbosa, calcular que a margem bruta do setor tenha caído de três a quatro pontos percentuais nos últimos três anos. “Em 2019, a tendência deverá manter-se, apesar de a matéria-prima ter sofrido acréscimo de 8%” salienta o embaixador agregando à problemática o tabelamento dos fretes.
Outra questão de destaque desse setor, salientadas por Barbosa, envolve o fato de o Brasil importar mais da metade do trigo que consume, pois a produção interna está longe de atender à demanda. “Nosso maior fornecedor é a Argentina, cuja crise atual, associada à valorização do dólar, que pesa muito numa commodity como o trigo, também está influenciando os preços. A quota de 750 mil toneladas anuais sem tarifa, para países de fora do Mercosul, anunciada este ano pelo governo brasileiro, deverá contribuir para equilibrar a oferta da matéria-prima. O impacto do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia também será grande em nossa indústria e nas cadeias produtivas do agronegócio, considerando a possibilidade de exportarmos muitos produtos sem tarifas e de importarmos livremente itens estratégicos para o equilíbrio da oferta interna, mas especificamente com relação ao trigo, a situação é especial, pois o cereal ficou fora “, complementa.
Esses temas vêm sendo discutidos pela Abitrigo em suas reuniões e também integrou a pauta do 26º Congresso Internacional do Trigo Congresso, realizado no final de setembro, ao lado de instabilidade política global, acordos comerciais, mudanças climáticas e a ascensão de novas potências exportadoras, elementos que deverão afetar com mais intensidade a oferta global de trigo nos próximos anos. A avaliação é do especialista Pablo Maluenda, que representará a FC Stone, uma das mais importantes consultorias financeiras para o mercado de grãos. O consultor reforça que, “seja qual for sua causa, o aquecimento global é real e tem provocado invernos mais frios e úmidos e verões mais quentes e secos do que estamos habituados. Com as mudanças climáticas se tornando cada vez mais acentuadas, produzir grãos como o trigo se tornará mais difícil, afetando, além da produtividade dos campos de trigo, a oferta de grãos e, por consequência, o preço final pago na aquisição desse produto”.
Números – Os alimentos à base de trigo, como pães, macarrão, biscoitos e bolos, estão presentes em 100% dos lares brasileiros e são fundamentais para a composição da cesta básica. “Isso nos mostra que as questões que envolvem o cereal, como inovação, importação, consumo, produção, saudabilidade e sustentabilidade, merecem ser tratadas de maneira prioritária, propondo caminhos que gerem valor para o setor e toda a sociedade”.
Os números macroeconômicos de 2018 também expressam o significado do setor: a indústria moageira brasileira processou 12,17 milhões de toneladas de trigo no ano passado. Volume é 3,4% maior em relação aos 11,77 milhões relativos a 2017. São 160 plantas industriais em todo o País. Área Norte/Nordeste, com 3,71 milhões de toneladas moídas, ficou em primeiro lugar, seguida do Paraná (3,47 milhões), Santa Catarina/Rio Grande do Sul (2,17 milhões), São Paulo (1,65 milhão) e Centro-Oeste/Minas Gerais/Rio de Janeiro/Espírito Santo (1,16 milhão).
Os dados são da Abitrigo, que, pela primeira vez, calculou a produtividade das plantas, que, na média nacional, ficou em 75,9% no ano passado. Este é o percentual de farinha obtida do total de trigo processado. O melhor resultado verificou-se nos moinhos do Centro-Oeste/Minas Gerais/Rio de Janeiro/Espírito Santo (77,6%). Seguem-se, Norte/Nordeste (77%), Paraná (76,4%), São Paulo (76,3%) e Santa Catarina/Rio Grande do Sul (74,9%). “O aumento da produtividade mostra que os moinhos, apesar da crise econômica, seguem investindo em tecnologia e mantendo o seu quadro de recursos humanos”, enfatiza Rubens Barbosa.
Política setorial – Confiante, a Abitrigo entregou ao governo uma proposta que pode mudar a cadeia produtiva do trigo no Brasil e que está em estudo no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Trata-se da Política Nacional do Trigo, que tem entre os principais objetivos “proporcionar o crescimento do mercado de trigo, estimular a produção interna, o fortalecimento da agroindústria e a valorização do consumo”, explica o embaixador Rubens Barbosa, presidente da entidade, acrescentando: “Com isso, estaria sendo ampliada a sinergia entre o setor público e o setor, de grande importância para a segurança alimentar da população, e reduzida a dependência do País numa área estratégica, sempre preservando o livre comércio”.
A Política Nacional do Trigo está dividida em seis eixos: Ambiente legal, Produção, Incentivos fiscais, Ambiente de negócios, Comércio internacional e Logística e Infraestrutura.
O Ambiente Legal preconiza um programa regulatório eficaz, ágil e estruturado, em uma abordagem de avaliação de risco baseada na ciência de gestão de segurança alimentar, fundamental para a credibilidade do Brasil como fornecedor confiável de alimentos seguros. Defendem-se boas práticas regulatórias em sintonia com a sociedade, a desburocratização e revisão das normas e procedimentos dos órgãos reguladores (ANVISA, MAPA, INMETRO e IBAMA).
No segundo eixo, da Produção, o documento observa que a triticultura é uma atividade que vem buscando solidez na rentabilidade e competitividade, mas precisa acelerar esse processo para chegar ao patamar de outras atividades brasileiras. As medidas sugeridas são: regionalização e especialização da produção alinhadas com a demanda do mercado; ampliação da área plantada e diversificação regional; e apoio à pesquisa (Embrapa e outros centros) no combate à Brusone e Giberela, com desenvolvimento de variedade de sementes resistentes.
Incentivos Fiscais constituem o terceiro eixo. A Abitrigo salienta que o ambiente atual não privilegia a eficiência e a qualidade na alocação de recursos e novos investimentos, problema que se soma à insegurança jurídica e econômica. Nesse contexto, são sugeridos mercado livre, que se autorregule, políticas públicas que valorizem a eficiência produtiva e a segurança alimentar, revisão dos incentivos fiscais em vigor e isonomia tributária em toda a cadeia produtiva. Com relação ao quarto eixo, do Ambiente de Negócios, os esforços, metas e resultados devem ser estabelecidos de maneira integrada com a cadeia produtiva e com igualdade entre as instituições, observa o documento, sugerindo mais segurança jurídica, simplificação e desburocratização.
O eixo cinco refere-se ao Comércio Internacional, observando que o mercado externo é agressivo e competitivo. Nesse cenário, os acordos comerciais exigem agilidade nas operações e uma busca contínua por diferenciais comerciais. As medidas propostas são a convergência regulatória e a modernização de processos, dos portos e da cabotagem. Finalmente, no sexto eixo – Logística e Infraestrutura –, a Abitrigo preconiza a modernização na estrutura e modelos aduaneiros e investimentos em sistemas de logística, modais e armazenagem.
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