ENTREVISTA EXCLUSIVA – Projeto Barraginhas: quase 30 anos de impacto social no semiárido

Engenheiro agrônomo da Embrapa Milho e Sorgo – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – desde 1983, Luciano Cordoval de Barros desenvolveu e coordena projeto inédito de armazenamento de água de chuva em regiões semiáridas, batizado de Projeto Barraginhas.

Iniciado em 1997, em Sete Lagoas (MG) – sede da Embrapa Milho e Sorgo – o projeto soma 15 prêmios e reconhecimentos ao longo dos anos. Mas, em 2019, o homenageado é o próprio Cordoval, dessa vez, pelo Prêmio Fundação Bunge, na categoria Agricultura Familiar – Vida e Obra. A entrega é hoje, 7 de outubro, em São Paulo (SP).

Nesta entrevista exclusiva ao GestAgro 360°, Cordoval fala sobre a ideia e seu desenvolvimento, que leva o Barraginhas a estar presente em 13 Estados – MG, CE, DF, GO, MT, PA, PI, RJ, RS, SE, TO, SC e RS –, ter 5.000 multiplicadores treinados e mais de 2 milhões de unidades construídas, consolidando uma cultura de conservação do solo, colheita de chuva e produção de água, gerando renda e promovendo justiça social a todos os participantes.

Boa leitura!

GA: Como surgiu a ideia do Projeto Barraginhas?

LB: Ingressei na Embrapa em 1983 e, por dez anos, coordenei a equipe de apoio de irrigação para as pesquisas da Embrapa Milho e Sorgo. Nessa época, foi desenvolvida a Tecnologia Social Lago de Múltiplo Uso. Em minhas andanças elo campo, fui a Janaúba (MG), onde não chovia há 10 meses e após 40 minutos de chuva, tropecei em uma barraginha natural, formada pela própria chuva. Dez dias depois, estava tudo germinado. Rascunhei, desenhei, fiz um relatório e recebi autorização para construir cinco barraginhas. Dois anos depois, iniciei a implantação do projeto em fazendas na região de Sete Lagoas (MG). Em 1998, acontece a primeira obra em larga escala, com a construção de 1.000 unidades em 70 fazendinhas.

GA: Daí em diante, como foi a expansão do projeto?

LB: Consolidada, a ideia evoluiu: construí mais 24 barraginhas e, com isso, o projeto se espalhou na região. De lá, em 2001, levamos a ideia para o Vale do Jequitinhonha, em Minas Novas e, passados três anos, tínhamos cerca de 2.500 barraginhas construídas com recursos da prefeitura. Em 2005, a Fundação Banco do Brasil premia a ideia e, com isso, passa a financiar projetos no Nordeste. Em três anos, mais 3.600 unidades em 12 municípios do Piaui. Essa época marca a migração das barraginhas para o Ceará e toda a região do semiárido. São mais de 10.000 barraginhas no noroeste de Minas Gerais e nos sertões do Ceará e do Piauí. Atualmente, coordeno o Projeto como parte do Programa Desenvolvimento e Cidadania, através do qual já construiu mais de 4.000 barraginhas e 250 lagos no semiárido e no Sertão do São Francisco. As barraginhas expandiram-se para Santa Catarina (para atender a suinicultura) e Rio Grande do Sul, Pantanal, Goiás e Tocantins, entre outros. A estimativa é que no Brasil todo foram construídas cerca de 2 milhões de barraginhas.

GA: Qual o foco hoje?

LB: Como é um projeto de cunho social, a educação é fundamental. A simplicidade de construção – pois copia o que a Natureza constrói com as enxurradas – levou-nos a focar cada vez mais na formação de multiplicadores. Hoje, não construímos mais as barraginhas, mas damos treinamento e assessoria para que os próprios interessados as construam. Já foram treinados mais de 5.000 técnicos, 500 apenas da Emater Minas Gerais (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural). O conhecimento técnico básico deve ser repassado às famílias de produtores beneficiadas, pois elas são os atores principais do projeto. Por isso, sempre que o projeto é levado a uma nova comunidade, há uma fase de apresentação da ideia para os moradores, depois uma visita deles a alguma fazenda-vitrine, que já tenha barraginhas instaladas, e uma terceira fase, de treinamento in loco, antes da equipe da Embrapa estar segura de que já podem caminhar sozinhos. Assim o projeto vai criando multiplicadores ou clones que levam o sistema a outras regiões do Brasil.

GA: Como e onde construir a barraginha? O que deve ser levado em conta?

LB: A matéria-prima é a chuva. Também é necessário ter vasilhas para recolher e guardar a água de cada chuva, pois nos cinco meses de chuva vem cerca de 10 a 15 frentes de chuvas, dando tempo de armazenar, entre uma chuva e outra, a água que iria correr na enxurrada, antes de fazer a erosão. Tem um ditado indiano que diz: “Segura a água da chuva onde ela cai”. Então, começou a enxurrada, você já barra ela, não deixa correr livre. Dali para baixo vai correr outro veio mais fraco, você faz outra barraginha. Assim vai se criando um eixo úmido de solo, onde se planta cana, folha de palma para gado… 

GA: Quais as consequências do projeto?

LB: Se por cima o solo está úmido, é porque embaixo está saturado de água. O sistema dá vida à terra até na época da seca, as cisternas nas baixadas ficam cheias até a boca. O ideal é construir uma barragem para cada enxurrada, com isso freia-se a erosão e o assoreamento, permitindo que a água acumulada se infiltre, atingindo o lençol freático e fertilizando a terra. Assim, afloram nascentes na baixada, onde, com pequenas bombas, fura-se poços; Com essa água irriga as hortas e as lavouras, criando sustentabilidade hídrica, melhorando a fauna e a flora, permitindo o retorno dos animais. Além disso, a família terá alimentos e água de boa qualidade, trabalho e renda, cidadania e dignidade. As barraginhas são a base do trabalho, mas, ao longo dos anos, passou a incorporar outras tecnologias sociais capazes de proporcionar sustentabilidade hídrica em comunidades que enfrentam situação de escassez ou de irregularidade na distribuição de chuvas. O pacote inclui lagos de múltiplo uso (como os lonados para criatório de peixes), fossas sépticas biodigestores, miniestufas e kits irriga-hortas.

GA: Qual o custo e quanto tempo é necessário?

LB: O custo é de 3 horas de máquina retroescavadeira para cada barraginha, o correspondente a R$ 120,00 a R$ 150,00 por hora. A escavação é para fazer um buraco no formato de um prato raso, com 16 m de diâmetro para aumentar a zona de infiltração, com profundidade máxima de 1,5 m, para evitar acidentes com crianças (afogamento).

GA: Como deve agir quem quer construir uma barraginha?

LB: Há uma unidade de demonstração na Embrapa em Sete Lagoas, onde são feitos os treinamentos e os ensaios.  Quem desejar fazer uma barraginha é só entrar em contato comigo via e-mail (luciano.cordoval@embrapa.br), que informo o local do próximo treinamento. No caso de cooperativas ou associações, os multiplicadores são treinados na própria Embrapa, por mim mesmo, em um ou dois dias de acordo com o tamanho do grupo. Também fazemos divulgação do Projeto Barraginhas por meio de blog (projetobarraginhas.blogspot.com) e interagindo com os produtores por meio de redes sociais (Whatsapp e Facebook). Eles mandam foto e áudio falando dos probleminha encontrados e eu, em meia hora, desenho uma sugestão no papel e mando de volta.


O Prêmio Fundação Bunge 2019

A 64ª edição do Prêmio Fundação Bunge, na área Agricultura Familiar, contempla, além de Luciano Cordoval de Barros, Márcia Alves Esteves – profissional da Emater- MG, por seus feitos voltados para o bem-estar e a segurança alimentar e nutricional de famílias em situação de vulnerabilidade social, como ações para a suplementação da alimentação bovina no período de estiagem e a implementação do programa de melhoria genética de rebanhos. Já na área Arte Visual de Rua os premiados são Paulo Ito na categoria “Vida e Obra” – por suas pinturas de rua ligadas à crítica social e de comportamento, como o painel elaborado em São Paulo que retrata um garoto faminto com uma bola de futebol no prato – e Raí Campos Lucena, o Raiz, de 27 anos, pelos trabalhos artísticos baseados na cultura indígena e por pesquisa relacionada à cultura deste povo.

A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada em 7 de outubro, às 19h30, no Teatro do Sesi, em São Paulo (SP). Além do reconhecimento público, os premiados na categoria Vida e Obra, receberão medalha de ouro e quantia de R$ 150 mil e os na categoria Juventude, medalha de prata e R$ 60 mil. 

O Prêmio Fundação Bunge foi criado em 1955 para incentivar a inovação e disseminação de conhecimento, reconhecer profissionais que contribuem para o desenvolvimento da cultura e das ciências no Brasil, além de estimular novos talentos. Desde sua criação, já foram homenageadas cerca de 200 personalidades, entre elas os escritores Jorge Amado e Ruth Rocha, o arquiteto Oscar Niemeyer, o médico e pesquisador Carlos Chagas Filho, o cientista político Fernando Abrucio e o engenheiro agrônomo Eurípedes Malavolta, entre outros.

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