ARTIGO – O Acordo Mercosul – União Europeia no Âmbito da Sustentabilidade do Agronegócio Café Brasileiro

Nelson Carvalhaes, Marcos Matos e Lilian Vendrametto*

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, assinado no dia 28 de junho de 2019, em Bruxelas, após 20 anos de negociações, dinamizará a economia brasileira como um todo, com ganhos que irão além do incremento das exportações do agronegócio gerado pela redução de tarifas. 

O acordo entre os blocos representa 25% do PIB mundial e engloba 750 milhões de pessoas. Nesse sentido, o acordo se mostra estratégico para todos os setores da economia brasileira, ao abrir caminho para a redução de custos e para a abertura de mercados preferenciais para a União Europeia, bem como fortalecer a participação do Brasil nas grandes cadeias produtivas globais.

De acordo com as prévias projeções econômicas do Ministério da Economia, o acordo representará um aumento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões se consideradas a “redução das barreiras não-tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos fatores de produção”. Segundo a área econômica, o aumento de investimentos no Brasil, nesse mesmo período de 15 anos, será da ordem de US$ 113 bilhões por conta do acordo comercial. 

Além das projeções iniciais, já foram destacados efeitos concretos para o Brasil, devido ao prestígio pela conclusão da magnitude deste acordo. Logo após a assinatura, importantes países procuraram o Brasil para a continuidade e o estabelecimento de acordos bilaterais, destacando entre eles: Japão, Coreia do Sul e Indonésia. Somado a isso, o acordo é um elemento de contexto importante e fortalece a candidatura brasileira à OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o que trará importantes investimentos aos Brasil.

– A Implantação do Acordo 

Há ainda um importante caminho que Mercosul e UE terão de percorrer para implementação total do tratado. Embora não exista um prazo definido para a total conclusão do acordo, em média, os países do Bloco levaram de sete meses a três anos para assinar documentos do mesmo tipo. 

– A Importância do Acordo no Contexto do Agronegócio Café do Brasil

A União Europeia representa aproximadamente 50% do destino das exportações brasileiras de café. Em recente reunião sobre o tema, os representantes do Governo Brasileiro como o MRE – Ministério de Relações Exteriores e o MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apresentaram os detalhes da exitosa negociação, contando com a participação das mais importantes organizações de representação do agronegócio brasileiro.

Por meio de questionamentos feitos pelo Cecafé, os representantes destacaram que a proposta brasileira foi de fortalecer a posição do País, historicamente o maior produtor e exportador, e segundo maior consumidor de café, como Hub da produção e industrialização global de café. Inicialmente, foi contextualizada a escalada tributária para o café torrado & moído e solúvel, e a respectiva desgravação tarifária – dos atuais 9% para o café solúvel e de 7,5% para o torrado e moído – em 4 anos. 

Para a ampliação deste Hub global, novamente deverá ser debatida a abertura comercial do Brasil para as importações de café. Outra questão do acordo se refere ao café industrializado exportados pela União Europeia ao Mercosul terá que possuir origem brasileira significativa. 

Como o Mercosul é formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, os países sul americanos produtores de café e competidores neste mercado, como Colômbia e Peru, não estão inseridos no contexto do acordo firmado. 

– O Princípio da Precaução

Dentro do Acordo está previsto o “princípio da precaução”, o que gerou debate entre especialistas do setor, uma vez que geraria a imposição de barreiras para a compra de produtos considerados suspeitos por uso de agrotóxicos proibidos ou criados em áreas ilegais de desmatamento, mesmo sem comprovação científica.

Segundo os representantes brasileiros, o texto final altera o conceito do princípio, bem como aloca tais questões no Capítulo Comércio e Desenvolvimento Sustentável. Dessa forma, o novo conceito mitiga os riscos de imposição comercial, uma vez que foi inserida cláusula expressa para evitar barreiras e medidas arbitrárias. Há um dispositivo que torna obrigatória a revisão periódica da medida, além de garantir a necessidade de respectiva apresentação de provas científicas para os consumidores interromperem compras preventivamente.

– O Princípio da Precaução e a Sustentabilidade do Brasil 

A definição de agricultura sustentável esclarece que “é aquela que respeita o meio ambiente, é justa do ponto de vista social e consegue ser economicamente viável. A agricultura, para ser considerada sustentável deve garantir às gerações futuras a capacidade de suprir as necessidades de produção e qualidade de vida no planeta”.

O agronegócio brasileiro pratica a sustentabilidade englobando os três pilares clássicos: econômico, social e ambiental. O País possui as leis ambientais e sociais mais rígidas do mundo, e a pesquisa, tecnologia, inovação e a organização dos seguimentos das cadeias produtivas resultaram em significativo crescimento da produtividade. Como exemplo, a Figura 1 apresenta a produtividade da cafeicultura brasileira, e a comparação com alguns países competidores.

Figura 1 – Comparação da Produtividade Brasileira x Países Produtores Selecionados

Fonte: Conab e USDA (2018). Elaboração: Cecafé (2019)

Vale ainda destacar que atualmente a área de café cultivada é 51% menor em comparação a 1960, considerando o atual parque cafeeiro de cerca de 2,2 milhões de hectares. Nesse período, a produtividade média dos cafezais brasileiros saltou de 6,4 sacas por hectare para 33 sacas na safra 2018/2019, um incremento de 416%.

O agronegócio brasileiro cumpre missão vitoriosa ao proporcionar segurança alimentar no mundo.  De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a produção agropecuária brasileira é suficiente para alimentar mais de quatro vezes a população brasileira ou cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo. 

Somado a isso, de acordo com a Embrapa Territorial, a área total destinada à preservação, manutenção e proteção da vegetação nativa no Brasil ocupa 66,3% do território. Nesse número, estão os espaços preservados pelo segmento rural, as unidades de conservação integral, as terras indígenas, as terras devolutas e as ainda não cadastradas no SiCAR. Elas somam 631 milhões de hectares, área equivalente a 48 países da Europa somados, conforme apresentado na Figura 2.

Toda a produção nacional ocorre em 7,6% do território. Os agricultores preservam mais vegetação nativa no interior de seus imóveis (20,5% do Brasil) do que todas as unidades de conservação juntas (13%). 

Em relação à cadeia produtiva do café, as principais regiões produtoras estão localizadas em estados onde os imóveis rurais possuem, na média, porcentagem de área dedicada à preservação da vegetação nativa acima do valor exigido pelo Código Florestal. Em Minas Gerais, o valor é de 34%; no Espírito Santo, 33%; São Paulo, 22%, e na Bahia, 45% de áreas dedicadas à preservação.

Os elevados índices de proteção ambiental na cafeicultura brasileira demonstram a sustentabilidade da atividade, considerando-se ainda a relevância social da produção, pois cerca de 86% dos mais de 300 mil produtores são de pequeno porte.

Figura 2 – Uso e Ocupação das Terras no Brasil

Fonte: Embrapa Territorial (2019)
Fonte: Embrapa Territorial (2019)

O uso correto e seguro de agroquímicos é outra questão de relevante importância. O clima tropical brasileiro e a possibilidade de se realizar consorciação e sucessão de cultivos, com duas safras por ano, ou três em diversas regiões, potencializa a ocorrência de pragas, doenças e plantas daninhas.

As condições climáticas favoráveis para a produção agropecuária ocorrem o ano todo, exigindo dos produtores maiores esforços no manejo. A despeito disso, diversos países importantes do ponto de vista de produção agrícola e com clima temperado fazem uso de maiores quantidades relativas de defensivos agrícolas quando comparados ao Brasil. 

A classificação da FAO – Organização para a Alimentação e Agricultura coloca o Brasil como 44º maior consumidor de agroquímicos do mundo, atrás de países europeus como Holanda, Bélgica, Itália, Irlanda, Portugal e Suíça. Observa-se na Figura 3 o ranking da FAO para alguns países selecionados, considerando-se o uso de agroquímicos por hectare cultivado.

Figura 3 – Ranking da FAO para países selecionados por hectare cultivado

Fonte: FAO (2016)

O Brasil também se destaca na devolução de embalagens de agroquímicos para a reciclagem. O País devolve, em média, 95% dos recipientes de agroquímicos, permanecendo no topo da lista de países que mais retiram tais embalagens do campo: 95% dos potes e galões utilizados são devolvidos para reciclagem. 

No âmbito social, a riqueza gerada pelo agronegócio tem contribuído significativamente para a geração de milhões de postos de trabalho e a melhoria da qualidade de vida da população. 

Quando se fala em qualidade de vida, junto com o índice de Gini, que mede a renda, é interessante olhar para o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que leva em conta a renda, educação e saúde. Comparando-se o IDH da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) nas últimas décadas observa-se que o desenvolvimento agropecuário no Brasil resulta em melhora da vida das pessoas.

De acordo com os dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017, apresentados recentemente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ser um cafeicultor brasileiro é também um bom negócio, englobando todos os aspectos da sustentabilidade, o econômico, o social e o ambiental.

– Considerações Finais

O acordo EU e Mercosul baseia-se na premissa de que o comércio não deve ocorrer às custas do meio ambiente ou condições de trabalho, pelo contrário, deve promover o desenvolvimento sustentável. 

Diante do contexto apresentado, o Brasil atende aos requisitos do acordo e está pronto para demonstrar ao mundo como equilibrar a produção com a preservação ambiental. O Brasil é líder absoluto no mercado global de café. Os termos do acordo fortalecem o posicionamento do País frente aos mais diversificados e exigentes mercados.

O Cecafé, como legítimo representante do setor exportador de café brasileiro, realiza diversas ações sustentáveis, com racionalidade e junto ao cafeicultor e demais seguimentos, que visa ao interesse nacional.

Por meio dos seus Programas de Responsabilidade Social e Sustentabilidade, o Cecafé já tem inserido os temas englobados no “princípio da precaução”, reafirmando o compromisso do País na difusão das melhoras práticas ambientais e sociais em todos os seguimentos da cadeia produtiva.

O Produtor Informado, por exemplo, já capacitou mais de 6 mil produtores com base na inclusão digital, gestão ambiental e das boas práticas agrícolas, incluindo também o correto e seguro dos agroquímicos.

Há uma abordagem especial sobre técnicas de manejo de controle químicas e mecânicas das plantas daninhas na entrelinha do cafezal, manejo de pragas e doenças, buscando alternativas sustentáveis para a condução da cultura, observando-se sempre o LMR – Limite Máximo de Resíduo do café produzido frente às regulamentações dos diversos países importadores.

O Cecafé, em parceria com as empresas de defensivos agrícolas, Plataforma Global do Café, entre outros, prepara-se para executar as ações do Projeto Uso Responsável de Agroquímicos neste ano, com seguintes objetivos: conscientizar o aplicador sobre importância de uso de EPI, armazenar corretamente e com segurança e promover o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas.

No âmbito social, o Cecafé estreitou ainda mais sua relação com o Instituto Inpacto – principal instituição nacional a se dedicar inteiramente a erradicação do trabalho análogo ao escravo no Brasil. Participando ativamente dos eventos da Mesa de Café Brasil e do Grupo de trabalho de Café. A meta do projeto, totalmente alinhada com demanda e expectativas internacionais e as próprias necessidades de transparência do mercado global, é ampliar o envolvimento de todos os atores na promoção de uma agenda positiva e transformadora em prol do trabalho decente na cadeia produtiva do café.

Outro destaque é o Programa Criança do Café na Escola, que teve início em 2003, com o objetivo de montar Laboratórios Digitais, com equipamentos de informática e acesso à internet, contando com o suporte educacional fornecido por uma pedagoga contratada pelo Cecafé. No total, foram instalados 137 Laboratórios Digitais em 95 municípios cafeeiros, além de 1,37 mil computadores (10 computadores por sala), sendo 116 deles com acesso à internet, com um investimento atualizado de aproximadamente R$ 9 milhões.

O Cecafé, como legítimo representante do setor exportador e parceiro do produtor e da indústria, está de olho nas tendências globais e na necessidade de articulação entre todos os elos da cadeia produtiva. 

Nesse sentido, o Código de Ética e Conduta do Conselho demonstra o compromisso do setor exportador em ampliar ainda mais os projetos socioambientais de sucesso e continuar a promover a imagem do agronegócio café brasileiro no mundo.

*Nelson Carvalhaes – Presidente do Conselho Deliberativo do CECAFÉ

*Marcos Matos – Diretor Geral do CECAFÉ

*Lilian Vendrametto – Gestora de Sustentabilidade do CECAFÉ

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