ARTIGO – Governança socioambiental e a cafeicultura de baixo carbono

Marcos Matos é diretor Geral do Cecafé, e Silvia Pizzol é gestora de Sustentabilidade do Cecafé – Conselho dos Exportadores de Café do Brasil

A julgar pela agenda multilateral em andamento, 2021 se configura como divisor de águas para as discussões sobre reponsabilidade socioambiental em sistemas agroalimentares.

Debates sobre o capitalismo de stakeholders – não apenas com foco no lucro, mas também no valor entregue às partes interessadas, incluindo a sociedade – estão presentes no Fórum Econômico Mundial e na Organização das Nações Unidas (ONU) há décadas, mas atingiram maior relevância em 2021, com o cenário pandêmico e as crescentes preocupações com impactos das mudanças climáticas na vida no planeta.

Na “Agenda de Davos”, em janeiro deste ano, a importância do ESG (Ambiental, Social e Governança, em português) para a sustentabilidade dos retornos financeiros de longo prazo das empresas foi um ponto central e conferiu maior visibilidade ao tema. Já em novembro de 2021, todos os olhos se voltaram para a COP26, a conferência das Nações Unidas sobre clima e meio ambiente, em Glasgow, na Escócia, considerada uma das mais importantes da história, onde governos e setor privado mostraram o que pretendem fazer para evitar um aumento superior a 1,5°C na temperatura global em relação ao século XIX.

É clara a coalescência entre o comportamento dos consumidores e a pauta dos acordos internacionais em discussão. Uma recente pesquisa realizada pela PWC  (PricewaterhouseCoopers) nos Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Alemanha e Índia mostra que a pandemia da Covid-19 ampliou o leque de consumidores conscientes dispostos a pagar mais por produtos e marcas mais saudáveis, seguros e ambiental e socialmente responsáveis.

A esmagadora maioria dos consumidores e trabalhadores afirmou ser mais propensa a comprar ou trabalhar para empresas que compartilham seus valores entre os vários elementos do ESG.

A consequência desse cenário ao agro é que temas como conservação da biodiversidade, trabalho decente, redução das pegadas de carbono e hídrica, boas práticas agronômicas, rastreabilidade e devida diligência terão cada vez mais influência no comércio internacional de produtos agropecuários e impactos diretos na reputação de origens, marcas e no acesso a mercados.

Para equilibrar essa balança de cobranças e recompensas, o grande desafio reside em destravar programas amplos de pagamentos pelos serviços ambientais prestados pelos produtores de alimentos, fibras e energia à sociedade, incluindo o mercado global de carbono, cuja definição de regras claras é uma das grandes expectativas em relação à COP26.

O primeiro passo nessa direção é quantificar e dar visibilidade às ações de conservação ambiental difundidas no agronegócio brasileiro. Em relação ao café nacional, os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, a preservação ambiental dos produtores, as rígidas e modernas Leis sociais ambientais e a organização e a eficiência de todos os segmentos trouxeram o Brasil, para o presente momento, como líder absoluto no mercado global da commodity.

Faz-se necessário refletir, portanto, como se preparar para o futuro no contexto do ESG, com ênfase nos pilares da sustentabilidade, incluindo o olhar da governança corporativa orientada. Além da sustentabilidade e dos avanços na gestão corporativa, aplicando as práticas ESG, será necessário aprimorar a comunicação e promover a imagem dos cafés do Brasil, destacando os pontos fortes e as oportunidades.

A cafeicultura brasileira presta muitos serviços ambientais à sociedade, frutos de investimentos em pesquisas que promovem saltos de produtividade, viabilizando a conservação de significativas áreas de vegetação nativa e da biodiversidade dentro das propriedades rurais.

Para trazer mais transparência às contribuições dos cafés do Brasil à agenda socioambiental em voga nos fóruns multilaterais, em especial na COP26, uma das iniciativas do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) é medir o balanço líquido das emissões de gases de efeito estufa nas principais origens de Minas Gerais, o maior Estado produtor do produto no país.

Esse projeto, desenvolvido em conjunto com exportadores associados e parceiros globais, sob a liderança técnico-científica do professor Carlos Eduardo Cerri, da Universidade de São Paulo (USP), e do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), calculará o carbono capturado da atmosfera e estocado no solo dos cafezais e nas áreas de vegetação nativa, conservadas de acordo com o Código Florestal brasileiro, nas fazendas de café do Sul, Cerrado e Matas de Minas.

Promover e dar mais visibilidade à conservação de florestas nos territórios cafeeiros é um dos objetivos do Cecafé com esta ação. Dados recentes publicados pela Embrapa Territorial, com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR), corroboram que o cenário é “verde” nas três regiões em análise no projeto. Nas áreas rurais – onde o café é uma das culturas plantadas – dos municípios do Sul de Minas, do Cerrado Mineiro e das Matas de Minas há 51,1 mil km2 destinados à vegetação nativa, uma área 1,25 vez superior ao território da Suíça, por exemplo.

Fundamentado em metodologia do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o projeto carbono do Cecafé servirá de alicerce científico para novas ações do comércio exportador na agenda de desenvolvimento sustentável. Também permitirá demonstrar, nos principais mercados consumidores dos cafés do Brasil, que as origens nacionais unem produção competitiva e eficiente à preservação ambiental.

Divulgar continuamente essas características intrínsecas da cafeicultura brasileira, que estão alinhadas à agenda socioambiental internacional e às tendências de comportamento dos consumidores, é compromisso do segmento exportador para que os cafés do Brasil continuem avançando na conquista de novos mercados.