ARTIGO – A produtividade agrícola tem seu alicerce no Conceito 4C

Valter Casarin e Silvia Regina Stipp*

O desafio de ampliar a produção de alimentos de forma economicamente viável, mantendo a integridade ecológica dos sistemas, dos quais depende a agricultura, é a base fundamental da cultura sustentável.   

O crescimento futuro ocorrerá concomitante com a expansão limitada de terra, o que só poderá ser realizado por meio da intensificação da produção sustentável. Entende-se isto como o aumento da produção total agrícola em uma mesma unidade de área ou, ainda, a manutenção da produção com uso racional de insumos.   

O Brasil é o 3º maior produtor agrícola e 9º maior detentor de florestas plantadas do mundo. Possui 72,2 milhões de hectares plantados com culturas anuais e perenes e 172 milhões de hectares com pastagem.  Assim, diante da crescente demanda mundial por alimentos, fibras, madeira e energia, faz-se necessária produção com garantia a segurança alimentar e nutricional, além da produção de energia limpa, com o mínimo de impacto ao meio ambiente.   

Nesse contexto, a ciência aplicada à agropecuária por meio de técnicas modernas tem conseguido não somente aumentar a produtividade das culturas, como também reduzir os seus impactos no ambiente e aumentar a qualidade de vida da sociedade brasileira em geral.  

É para garantir que esse processo tenha uma performance cada vez melhor, com segurança e manejo adequado, que a Iniciativa Nutrientes para a Vida (NPV) trabalha ininterruptamente. Sua missão é esclarecer a sociedade brasileira, com base em estudos científicos, sobre a importância e os benefícios dos fertilizantes na produção e qualidade dos alimentos bem como sua utilização adequada.   

A NPV é uma extensão nacional do projeto Nutrients For Life, que já colhe importantes frutos em outros países, como Estados Unidos, onde nasceu, Canadá, México e Colômbia. Destaca o papel essencial dos diversos tipos de fertilizantes na segurança alimentar e nutricional, além de seu efeito multiplicador na produtividade de culturas.  

O MANEJO DE FERTIZANTES 4C   

Os fertilizantes são responsáveis por, em média, 50% da produção mundial de alimentos. Com o reconhecimento público de que os fertilizantes são parte da solução para a segurança alimentar mundial, compete ao setor agrícola garantir que práticas de adubação sejam realizadas de forma responsável e eficiente.  

Na Figura 1, o quadro global descreve a prática dos 4Cs e como ele é aplicável ​​no manejo dos fertilizantes em todo o mundo. Para otimizar a nutrição das plantas foi desenvolvida uma estrutura geral para direcionamento do manejo adequado dos nutrientes. No seu núcleo tem-se os 4Cs, centralizados em um sistema de cultivo circular, integrando-se aos outros fatores agronômicos relacionados ao manejo da cultura, sendo que o conjunto de práticas agronômicas, por sua vez, contribui decisivamente para os resultados em termos econômicos, sociais e ambientais.

Figura 1. Diagrama geral para o manejo adequado de nutrientes.

Na camada externa estão exemplos de indicadores de desempenho, os quais podem e devem ser quantificados. O equilíbrio complementar na composição desses indicadores pode refletir a influência das BPUFs na realização das metas de desenvolvimento sustentável. É possível verificar claramente que a sustentabilidade do sistema envolve mais que simplesmente a produtividade e o uso eficiente do nutriente.   

As BPUFs são utilizadas, principalmente, para assegurar o crescimento ótimo da planta, o que contribui para a rentabilidade da agricultura e a minimização de efeitos adversos ao ambiente. Algumas BPUFs podem ser aplicadas a uma vasta gama de situações e sistemas de cultivo no país, em uma região ou em todo o mundo, enquanto outras são projetadas para circunstâncias específicas, como, por exemplo, a redução do aporte de nutrientes em solos férteis, protegendo águas subterrâneas, ou a construção da fertilidade em solos pobres ou muito deficientes. Desta forma, não existe um conjunto de boas práticas de manejo que seja aplicável a todas as situações. Determinar quais práticas são corretas para uma dada situação depende do tipo de solo, das condições climáticas, da cultura, das condições de manejo e de outros fatores específicos do local.   

Princípios científicos universais relevantes para cada um dos 4Cs e práticas associadas à sua aplicação:  

1. Fonte certa  

Consiste em combinar fontes de fertilizantes com a necessidade da cultura e as proprie¬dades do solo. Deve-se estar atento para as interações dos nutrientes e o equilíbrio entre nitrogênio, fósforo, potássio e outros nutrientes, de acordo com a análise do solo e as exigências das culturas. A adubação equilibrada é uma das chaves para aumentar a eficiência de utilização do nutriente.   

Todas as plantas necessitam de pelo menos 17 elementos essenciais para completar o seu ciclo de vida. Estes incluem 14 nutrientes minerais, os macronutrientes (N, P, K, Ca, Mg, S) e os micronutrientes (Cl Fe, B, Mn, Zn, Cu, Mo e Ni), além de três elementos não-minerais: carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O). Os macronutrientes são exigidos em quantidades relativamente elevadas pelas plantas, enquanto os micronutrientes são exigidos em quantidades menores.  

A seleção da fonte certa de fertilizante começa com a determinação de quais nutrientes são realmente necessários para cumprir as metas de produção. Nutrientes que estão limitando a produção podem ser determinados por meio de: análise de solo e da planta, análise de tecidos, parcelas com omissão de nutrientes, sensores de cor da folha ou sintomas visuais de deficiência. Todos estes testes devem ser realizados antes da tomada de decisão para aplicação de fertilizantes.  

Fatores como disponibilidade do produto, reações dos nutrientes no solo, disponibilidade de equipamento para aplicação e retorno econômico precisam ser considerados. Estas decisões complexas devem ser continuamente reavaliadas a fim de fazer a seleção do fertilizante correto.  

Os princípios científicos fundamentais que definem a fonte certa para um conjunto específico de condições são as seguintes:  
• Considere dose, época e local da aplicação.  
• Forneça nutrientes em formas disponíveis para as plantas.  
• Considere as propriedades físicas e químicas do solo. Por exemplo, evite a aplicação de nitrato em solos inundados, aplicação superficial de ureia em solos de pH elevado, etc.  
• Identifique as interações entre os elementos nutrientes e as fontes. Por exemplo, a interação fósforo-zinco, o nitrogênio aumentando a disponibilidade de fósforo, etc.  
• Identifique a compatibilidade da mistura. Determinadas combinações de fontes atraem umidade quando misturadas, o que limita a uniformidade da aplicação do material misturado; o tamanho dos grânulos devem ser semelhantes para evitar a segregação de produtos, etc.  
• Considere as interações dos elementos associados. A maioria dos nutrientes possui um íon acompanhante que pode ser benéfico, neutro ou prejudicial para a cultura. Por exemplo, o cloreto (Cl-) que acompanha o K, no cloreto de potássio, é benéfico para o milho, mas pode ser prejudicial para a qualidade do fumo, do abacaxi e da batata (destinada à produção de batata chips).   
• Controle os efeitos dos elementos não-nutritivos. Por exemplo, alguns depósitos naturais de rocha fosfática contém elementos-traços não-nutritivos. O nível de adição destes elementos deve ser mantido dentro de limites aceitáveis.  

2. Dose certa  

Consiste em ajustar a quantidade de fertilizante a ser aplicada com a necessidade da cultura. O excesso de fertilizante resulta em perda por lixiviação e outros prejuízos ao ambiente, e a deficiência do fertilizante resulta em menor rendimento e qualidade das culturas, além de menor quantidade de resíduos para proteger e melhorar o solo.  
Avaliar o fornecimento de nutrientes disponíveis no solo é o primeiro passo para determinar a dose certa de fertilizante a ser aplicada. A análise do solo apresenta um índice relativo dos nutrientes presentes. Em alguns casos, a análise da planta oferece informação adicional para determinação da dose de fertilizante a ser fornecida de acordo com as exigências da cultura. Se as deficiências são notadas a tempo, é possível, às vezes, fazer a correção durante a estação de crescimento e reduzir a perda de rendimento.  

Todos os 17 elementos essenciais devem estar presentes em quantidades suficientes para satisfazer as exigências da cultura em crescimento. A dose certa está condicionada à fonte, à epoca e ao local de aplicação. A fonte de nutrientes precisa liberar a quantidade certa de formas disponíveis no momento certo e no lugar certo para atender às necessidades das plantas em crescimento.   

Os princípios fundamentais científicos que definem a dose certa para um conjunto específico de condições são os seguintes:  
• Considere a fonte, a época e o local da aplicação.  
• Avalie a demanda de nutrientes pelas plantas. O rendimento está diretamente relacionado à quantidade de nutrientes absorvidos pela cultura até a maturidade.  
• Utilize métodos adequados para avaliar o fornecimento de nutrientes pelo solo, como  análise de solo, análise de metas de produção, balanço da remoção pela cultura, análise de tecido, manejo específico de nutrientes, tecnologia de aplicação de doses variáveis, inspeção da cultura, etc.  
• Avalie todas as fontes disponíveis de nutrientes na fazenda fertilizantes, estercos, compostos, biossólidos, resíduos de colheitas, além da deposição atmosférica e da água de irrigação). 
• Considere a eficiência de uso dos fertilizantes (aumento de produção por unidade de fertilizante aplicado). Alguma perda de fertilizante é inevitável no sistema de cultivo por meio de fatores específicos do local, incluindo tipo de solo, clima, microrganismos e sistema de cultivo.   
• Considere o impacto dos nutrientes nos recursos do solo. Se a saída de nutrientes de um sistema de cultivo for superior à entrada, haverá diminuição da fertilidade do solo a longo prazo. A análise de solo ajuda a determinar quando as doses de nutrientes aplicadas excedem, se igualam ou estão menores que as quantidades de nutrientes removidas por meio da colheita da cultura.  
• Considere a dose de máxima eficiência econômica da adubação. Para efetuar o cálculo dessa dose é necessário obter, para cada safra e cultura, a função do lucro, incluindo os custos variáveis e fixos nas funções de produção. 

3. Época certa  

Consiste em disponibilizar os nutrientes para as culturas nos períodos de necessidade. Os nutrientes são utilizados de forma mais eficiente quando sua disponibilidade é sincronizada com a demanda da cultura.  
A dinâmica da absorção de nutrientes pela cultura varia de acordo com o nutriente e com  as condições ambientais. Desta forma, a taxa de absorção de nutrientes pelas plantas muda durante todo o período de crescimento. Aplicações programadas e orientadas de acordo com as  fases  das plantas podem ser benéficas à produtividade e/ou qualidade do produto, em alguns sistemas de produção e para alguns nutrientes, principalmente nitrogênio.   

Os princípios fundamentais científicos que definem a época certa para um conjunto específico de condições são as seguintes:  
• Considere a fonte, a dose e o local de aplicação.  
• Avalie a marcha de absorção de nutrientes pelas plantas. Os nutrientes devem ser aplicados concomitantemente com a demanda sazonal de nutrientes da cultura, a qual depende da data de plantio, das características de crescimento das plantas, da sensibilidade às deficiências nas fases particulares de crescimento, etc.  
• Avalie a dinâmica de fornecimento de nutrientes do solo. Solos ácidos, por exemplo, bastante comuns em regiões tropicais, têm capacidade muito alta de fixação de fósforo. O adubo fosfatado aplicado nestes solos podem ser facilmente convertidos em formas pouco solúveis e indisponíveis de P. Assim, nestes ambientes, é comum aplicar anualmente fertilizantes fosfatados localizados em faixas específicas na plantação para aumentar a produção das culturas. A mineralização da matéria orgânica do solo fornece grande quantidade de alguns nutrientes, porém, se a absorção pela cultura precede a liberação pela matéria orgânica, as deficiências podem limitar a produtividade.  
• Avalie a dinâmica da perda de nutrientes do solo. Por exemplo, em regiões tropicais, as perdas por lixiviação tendem a ser mais frequentes no verão.  
• Avalie a logística das operações no campo. Por exemplo, várias aplicações de nutrientes podem ser combinadas com aplicações de produtos defensivos. As aplicações de nutrientes não devem atrasar as operações sensíveis ao tempo, como o plantio.  

4. Local certo  

Consiste em colocar e manter os nutrientes onde as culturas podem utilizá-los. O método de aplicação é decisivo no uso eficiente do fertilizante.   
Cultura, sistema de cultivo e propriedades do solo determinam o método mais adequado de aplicação, mas a incorporação do fertilizante normalmente é a melhor opção para manter os nutrientes no local e aumentar sua eficiência. Manejo conservacionista, curvas de nível, culturas de cobertura e manejo da irrigação são outras boas práticas que ajudarão a manter os nutrientes bem localizados e acessíveis às culturas em desenvolvimento.  

Os princípios fundamentais científicos que definem o local certo para a aplicação específica de nutrientes são os seguintes:  
• Considere  fonte, dose e época de aplicação.  
• Considere o local de crescimento das raízes das plantas. Os nutrientes devem de ser colocados em locais onde podem ser absorvidos pelas raízes em crescimento, quando necessário.   
• Considere as reações químicas do solo. Concentrar os nutrientes que podem sofrer fixação, como o fósforo, em faixas ou em volumes menores de solo pode melhorar a disponibilidade do elemento.  
• Atenda aos objetivos do sistema de plantio direto. Técnicas de aplicação do fertilizante em subsuperfície, mantendo a camada de palha sobre o solo, podem ajudar a preservar os nutrientes e a água.  
• Gerencie a variabilidade espacial. Avalie as diferenças de solo, dentro e entre os campos, em relação à produtividade das culturas, capacidade de fornecimento de nutrientes do solo e vulnerabilidade à perda de nutrientes.  

TENDÊNCIAS GERAIS PARA AUMENTO DA EFICIÊNCIA DE USO DE NUTRIENTES  

– Uso de fertilizantes de liberação controlada e o uso de inibidores da nitrificação e da urease   
Estes insumos permitem melhor sincronia entre a disponibilização de nutriente pelo fertilizante em relação à demanda pelas plantas durante seu crescimento.   

– Plantio direto e rotação/sucessão de culturas  
Quando se deseja integrar o desenvolvimento de novas tecnologias com a viabilidade econômica e a minimização do impacto ambiental, o plantio direto se consolida como manejo adequado. O sucesso do plantio direto está alicerçado na rotação de culturas, devido aos inúmeros benefícios que proporciona na qualidade do solo e na produtividade dos cultivos comerciais. O aumento da matéria orgânica e a melhoria da fertilidade do solo destacam-se como os principais componentes para a manutenção e a longevidade desse sistema de manejo. Por proporcionar maior retenção de água e menores variações deste teor no solo, o sistema plantio direto evita a ocorrência de curtos períodos de deficiência hídrica, melhorando a eficiência do uso da água e dos nutrientes.

– Uso de cultivares melhoradas  
O uso de cultivares melhoradas para eficiência de utilização e de resposta à aplicação de nutrientes constituirá estratégia importante para uso eficiente de nutrientes na agricultura brasileira. No enfoque agroecológico da produção agrícola, isso possibilita a redução dos custos de produção, a utilização de menor quantidade de nutrientes e a conservação do agroecossistema.  

PRÁTICAS DE MANEJO PARA AUMENTAR A EFICIÊNCIA DE USO DE NUTRIENTES   

Para aumentar a eficiência de uso dos nutrientes fornecidos pelo solo ou adicionados por meio de fertilizantes/corretivos faz-se necessário adotar práticas de manejo considerando o tipo de solo, a cultura, o clima e o sistema de rotação. Diversas estratégias de manejo devem ser adotadas, uma vez que os nutrientes entram em contato com as raízes de diferentes maneiras.   
A adubação necessita satisfazer a exigência da planta para a formação da colheita, complementando a contribuição do solo. Para manter a fertilidade química, a adubação deve, pelo menos, compensar as quantidades de macro e micronutrientes exportadas como produto colhido e mais aquelas irremediavelmente perdidas do solo (erosão, lixiviação e volatilização).   

CONCLUSÕES  

Sistemas de produção devem ser viáveis sob os pontos de vista econômico, ambiental e social. Neste contexto, a aplicação de fertilizantes de forma correta é vital na agricultura moderna. Programas de nutrição de plantas não apenas aumentam a produtividade, como são importantes para a sustentabilidade do sistema e a manutenção da saúde humana. Além disto, o uso eficiente dos fertilizantes conduz à diminuição da degradação do solo. A prática do manejo 4C leva ao aumento da eficiência de uso dos fertilizantes, sendo a mesma específica segundo o solo e o sistema de produção.   

*Silvia Regina Stipp é engenheira agrônoma, editora assistente da NPCT – Nutrição de Plantas Ciência e Tecnologia

*Valter Casarin é engenheiro agrônomo e florestal, coordenador científico da Iniciativa Nutrientes para a Vida (NPV). 

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